Tecnologia a serviço da moda com o “hacker fashion”

08.01.2017

Renan Serrano, o criador da marca Trendt, já foi chamado de o “hacker da moda”. Com um forte apelo tecnológico, o estilista cria a peça não só pensando no design mas na funcionalidade geral. Renan sempre tem novidade: agora ele está envolvido com o tecido Break A Sweat (com absorção de líquidos muito mais rápida que o comum); um tingimento incolor chamado DYEIO que transforma tecidos e fios em eletrocondutores, o que permite incluir funções neles como localizador, por exemplo; e finalmente o Biosoftness, amaciante que inibe o crescimento de bactérias e permite que a peça necessite de lavagem só após muito tempo de uso! Uau! Confere a entrevista que fizemos com ele:

Por que fugir do convencional com a Trendt?
Seria muito cômodo pra mim ter vindo do mercado de moda e simplesmente fazer a engrenagem continuar girando. Depois que entrei na faculdade, vi que as coisas não eram brincadeira. Existem muitos questionamento de linguística, semiótica e filosofia por trás da moda; me senti no papel de não só ter alguma relevância pro mercado mas também elevar os questionamentos. Uma das estratégias iniciais na marca: como não tinha grana pra investir, fui obrigado a dedicar conhecimento nela e me apaixonei por isso.

Como é o processo de criação das peças?
Esse mês resolvi compartilhar minha monografia na internetEla explica o passo a passo da criação, que é uma metodologia reversa à atual e pouco difundida. No modelo tradicional, os estilistas se apropriam de “padrões” pra criar “episódios”; no meu processo me apoio na neurociência, utilizo “episódios” pra criar “padrões”. Vale também uma lida no projeto que fiz pra Fila no meu site pessoal. Na Trendt meu trabalho não é falar de tendências estéticas, mas de sentimentos, vontades obscuras que capto como um padrão que se repete em nichos distintos, mesmo em outros países. Quando vejo estilistas misturando looks de desfiles pra “criar” novas peças, inspirando-se em imagens de Tumblr achando que aquela é uma realidade (que na verdade já está filtrada e curada pelos olhos de outros), fico triste com o potencial castrado, indo por água abaixo. Por incrível que pareça, eles ainda dizem “olhem o que criei”, mas na verdade deveriam dizer “olhem a ‘salada mista’ que eu, como ‘estilista’, fiz”. Por isso, uma das premissas no desenvolvimento de novos produtos é entender a relevância da criação dentro da sociedade atual e se esse item novo serve de base pra uma evolução, seja trazendo upgrades ou deixando marcos pra outras pessoas acelerarem o sistema da moda, saindo de um espiral bidimensional para um espiral tridimensional, com crescimento gradativo.

Relembre: A malharia da Trendt na Alcaçuz

Quantas coleções são feitas por ano na Trendt?
Essa coisa das marcas terem que escolher um tema sazonal é um questionamento que tenho desde que comecei na Santa Marcelina, em 2006. A Lilian acompanhou de perto dois happenings que fiz na Casa de Criadores, quando ainda estava no segundo ano da faculdade, e percebeu que eu tentava utilizar a plataforma “passarela” pra trazer reflexão sobre questionamentos sociais no espectador. Também me lembro de um desfile somente de modelos negros antes mesmo da lei de cotas ser cogitada ter chamado a atenção. Mas como todo hacker, primeiro entrei no sistema pela porta da frente: fazendo coleção, lançando a cada 6 meses, mesmo já ciente de que os conceitos de inverno e verão no Brasil são polêmicos. Com o passar do tempo, fui conquistando espaço e maturidade pra encontrar novas formas de subsistência, mas pra conseguir “prototipá-las” eu precisava sair do “loop”. Confesso que essa é a parte mais difícil, mas é possível! Dá pra perceber que, conforme os anos passam, o modelo de negócio da marca muda. Pra agora o plano é construir, por mais que isso demore, um sistema que possibilite criar no máximo 12 itens por ano, pra que eu tenha tempo de estudar novas possibilidades que vão estar maduras em 2018, ou talvez, 2019, 2020… Hoje não importa o tamanho da marca, o custo dela é compatível com o lucro. Pra vender mais precisa de mais equipe, uma estrutura maior e todos esses detalhes básicos necessários do tal “bem-sucedido”. Por isso, teoricamente, é necessário mais coleções e uma expansão constante da base de clientes – pra conseguir bancar o custo fixo da empresa que, quanto maior, mais risco tem. Existem outras maneiras e me sinto honrado em servir de exemplo pra outros aperfeiçoarem. Tenho muito disso: entrar e entender o sistema, sair dele pra enxergar as falhas e voltar com melhorias. A Trendt é esse estudo de contraforma: como a roupa influencia no ambiente, nas opiniões? Como pode prototipar soluções? 

Que matérias você utiliza na produção das peças?
Essa é uma batalha constante. No início, buscava tecidos não só pelo seu toque e aspecto mas por sua composição e acabamento químico. Você já percebeu que marcas que trabalham com estampas tem modelagens básicas ou vice-versa? Busquei unir esses dois pontos e adicionar todos os outros como parte de uma coisa só, uma relação interdependente. Tive que gerar escala pra conquistar fabricantes de tecido, mas hoje fabrico os que uso, bem como os acabamentos. Se fosse algo que pudesse encontrar no mercado, nem que se fosse no Japão, seria mais fácil: faria questão de encontrar uma solução, valorizar o trabalho e comprar a matéria-prima. Mas tenho que fabricar e não me sinto, nem quero me sentir, um proprietário dela. Sei que ela influencia o mercado, as marcas podem comprar e até fazer produtos melhores do que tenho capacidade de fazer: é o caso do tecido de devorê, o Knitnano.com, que todo ano recebe melhorias significativas.

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Como ligar moda e tecnologia? O que te inspira a fazer isso?
Moda não diz respeito só ao visual e contemporaneidade, e da mesma maneira tecnologia não se resume a hardwares e softwares. Chamo várias coisas de tecnologia: a evolução dos processos, novas maneiras de fazer modelagem, novos tipos de acabamento, combinações de técnicas de estamparia, adaptações de fios em teares e inserção de acabamentos específicos nos tecidos. A genética me inspira na relação tão próxima que o tecido humano tem com o têxtil, em como nosso bioma se comporta quando entra em contato com os diferentes acabamentos dos tecidos: o corpo transpira mais, o batimento cardíaco aumenta. Ficamos mais cansados não pelo peso do tecido, mas por causa da falta de conforto e dos produtos absorvidos. Já não é de hoje que se aponta que químicos têxteis, os que geram maciez ou os que simplesmente tingem, podem nos prejudicar. Quando transpiramos, o suor dissolve os produtos do tecido e o torna um veículo de absorção através dos nosso poros. Pra esse questionamento fabriquei um tecido, o Break a sweat. Ainda estou buscando parcerias pra lançá-lo.  pra quem acredita que tecnologia é comunicação de dados, estou desenvolvendo um tingimento incolor, o Dyeio, que é capaz de transformar tecidos e fios pra que eles transportem informações que alimentam qualquer tipo de dispositivo acoplado, seja um localizador no colete do exército, ou até mesmo pra detectar quais roupas estão sendo vendidas sem ir pro provador da loja e quais estão sendo provadas e não vendem. Pode até ser simplesmente um led que pisca! Esse projeto é uma parceria com um setor do governo (o Ministério da Ciência e Tecnologia). E por fim, tem o Biosoftness, a tecnologia mais palpável que a Trendt conseguiu desdobrar…

Como funciona o Biosoftness? Ele já está sendo comercializado no Brasil ou outra parte do mundo?
Ele inibe o desenvolvimento de bactérias no tecido, nos deixando protegidos contra doenças transmissíveis e contra o odor corporal. O que resta é só a sujeira que acaba ficando no tecido, que dá pra remover com um simples lenço umedecido na região localizada da mancha. Vendemos uma versão beta nos EUA, que teve capilaridade em diversos países pelos early-adopters, e recebermos feedback sobre o uso. Descobrimos que não só roupas, mas principalmente acessórios como pulseiras (relógio, fitbit…) e até óculos de realidade virtual, são protegidos com o Biosoftness. São produtos que entram em contato com transpiração e não podem ser lavados após o uso.

A realidade aumentada na moda!

Aonde você pretende chegar com o Biosoftness?
Enquanto as marcas lutam pra produzir novos modelos e mais peças, a Trendt vem num sentido oposto, pra reduzir a escala, aumentar a durabilidade das peças, dar mais tempo pro consumidor digerir a inovação e expressar sua opinião de mundo através da roupa. A solução encontrada pra atingir esse objetivo foi o Biosoftness: com ele é possível repensar nossa relação com a roupa no fim de cada dia. Se a roupa que vestimos fala por nós, por que então deveríamos estragá-la colocando-a na máquina de lavar, fazendo a cor desbotar, as costuras esgarçarem?

O que te fez despertar esse lado “consciente”?
Existem os fashionistas que compram a marca, mas agora a seleção está sendo feita: só compra quem  digere a informação colocada antes do botão comprar. Consumir se torna um comprometimento. Agora temos uma proximidade muito maior com os clientes, que em sua maior parte são até colecionadores de Trendt. Seria muito cômodo criar desdobramentos de produtos pra eles comprarem cada vez mais, simplesmente pra pagarmos os custos dessa estrutura, mas isso começou a soar falso. Há um ano fizemos o relatório fiscal e o confrontei com a quantidade de lixo não-reciclável gerado por nós no mesmo período; graças a aceleração que recebi do programa BtoBe da Texbrasil, liderada pelo Evilásio Miranda, tive a oportunidade de observar a marca de fora e o sistema em que ela estava mergulhando, que não combinava com meus propósitos como ser humano. As pessoas extraem tudo do planeta e não devolvem nada: gastamos gasolina pra nos locomover (petróleo e poluição), geramos lixo ao nos alimentar (embalagens plásticas, papel, água), gastamos água pro banho e pra lavar a roupa, sacos plásticos, etiquetas, papéis impressos, enfim. Uma lista imensa de pequenas coisa que não voltam mais pra onde saíram. Lembro de uma passagem do livro do Alex Atala na qual ele conta que começou a doar cestas básicas pra uma tribo indígena. Após meses, quando retornou, a tribo estava totalmente suja. Ele achou a princípio que os índios eram porcos, mas o pagé disse: “Suas cascas não se decompõem”. Estamos num momento do mundo que as startups estão se apropriando indevidamente de termos como sustentabilidade, economia e suas vertentes criativa, compartilhada e circular. Todos esses conceitos devem ser o cerne da marca e não o motivo pelo qual ela existe e vende. Ainda não existe um manual pra seguirmos dentro dessa nova economia, dessa quarta revolução industrial. Nosso papel é testar o mais rápido possível diferentes modelos de negócios e compartilhar com o máximo de pessoas. Só assim não estaremos sozinhos no futuro. Mas uma coisa é certa: aquele papo do passado que “o que é bom tem que durar” voltou com tudo!

Trendt: (11) 3280-6111

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