“Seria eu um tolo quando coloco arte em meus vestidos ou quando afirmo que ‘couture’ é arte?”, indagava o costureiro Paul Poiret no começo do século, comentando a relação direta de seu trabalho com o artista Raoul Dufy. Ao que Chanel em seguida retrucou: “‘Couture’ não é arte e sim um ofício”, detonando assim a polêmica que pontuaria a moda deste século e que, à beira do próximo milênio, ainda não encontrou o ponto final. Moda é arte?

Recém-lançado na França, o livro “Art & Mode – L’Inspiration Artistique des Créateurs de Mode“, de Valérie de Givry (ed. Regard, 290 francos), não entra no mérito da questão. Simplesmente relata os frutíferos casos desta relação sob o ponto de vista da moda, deixando de lado inclusive artistas-estilistas como Sonia Delaunay, Alexander Rodtchenko, Giacomo Bala e Lucio Fontana, cuja obra sobrepõe as 2 expressões.

Art & Mode lembra que grandes criadores geralmente se transformam em grandes colecionadores de obras de arte. Caso de Yves Saint-Laurent, Karl Lagerfeld e Hubert de Givenchy (hoje, afastado da grife que leva seu nome, Givenchy trabalha na Christie’s, famosa casa de leilões). Mas muitas vezes a relação extrapola a contemplação. Graças à identificação do estilista com o artista, estabelece-se um trabalho de parceria direta e simultânea que se transformam em manifestações emblemáticas de um determinado período.

Nos anos 30, por exemplo, Elsa Schiaparelli encantou-se com o surrealismo e com Salvador Dalí e fez do movimento seu estilo. Um de seus modelos mais conhecidos é um vestido branco que traz uma enorme lagosta pintada ao natural na parte da frente – desenho que acaba de ser visto na passarela da dupla Dolce & Gabbana em Milão, durante o lançamento das coleções primavera-verão 99. Outro modelo, o vestido-gavetas, remete ao quadro “La Girafe en Feu” (1935), também de Dalí.

Schiaparelli ia além. Fazia chapéu em forma de sapato, botão em forma de borboleta. Desafiou todas as convenções da moda da época. Esta atitude e o fascínio pela cor rosa-shocking fizeram com que a palavra “shocking” associasse-se tão intimamente com seu nome que virou título de suas memórias, “Shocking Life“. “Trabalhar com artistas tinha algo de exaltante; eu me sentia encorajada a ir além da realidade material e aborrecida que é fazer um vestido apenas para vendê-lo”, declarou. Nos anos 60 foi a vez do pintor Yves Klein inventar sua própria cor: o azul Klein, batizado por ele de IKB (International Klein Blue).

Enquanto Schiaparelli manteve-se fiel ao surrealismo, Saint-Laurent fez homenagens explícitas a vários nomes e períodos ao longo de seus recém-completos 40 anos de carreira. Os Girassóis de Van Gogh foram reproduzidos em um dos mais ricos bordados que a moda já viu. O Tableau de Mondrian virou vestido moderno nos anos 60 (as cores participam também da construção do modelo). Os pássaros de Georges Braque pousaram sobre o míni tomara-que-caia de uma noiva em 88. Silhuetas da pop art, inspiradas nos nus de Tom Wesselman, pareceram ideais em modelos básicos de jérsei nos anos 60.

Além das homenagens explícitas, “Art & Mode” mostra as interpretações mais sutis. Compara os modelos Pleats Please do japonês Issey Miyake à luz e à textura monocromática de Pierre Soulages – o mesmo que inspira os relevos em silicone escovado da próxima coleção de verão de Martine Sitbon, lançada em Paris mês passado. Mostra como a arte greco-romana desencadeou duas interpretações distintas para a mesma técnica. Enquanto Madeleine Vionnet explorou a sensualidade do drapeado, madame Grès explorou-o em formas construídas com mais rigor.

Na área de esculturas, a autora relaciona Miyake a Henry Moore e Umberto Boccioni. As formas de Alexander Archipenko inspirariam os volumes de Thierry Mugler e Balenciaga, que admirava também o espanhol Zurbaran (séc. 17). A provocação fálica dos irmãos Chapman seria reinterpretada pelo estilista inglês Alexander McQueen – que hoje assina as coleções da Givenchy. As bonecas deformadas de Hans Bellmer, dos anos 30, resultariam na coleção do verão de 97 da Comme des Garçons, enquanto as cores de Matisse teriam explodido em seu verão anterior. “Trabalho sobre novas formas de beleza forte, mesmo que nem sempre ela seja compreendida”, disse Rei Kawakubo, da Comme des Garçons, uma das maiores influências da moda nos último vinte anos.

TESTE

Descubra abaixo o par artístico de alguns estilistas deste século (*)

1. Alexander McQueen             a) Francis Picabia e Giacomo Bala
2. André Courrèges                  b) Henry Moore e Soulages
3. Azzedine Alaia                       c) Dinos e Jake Chapman
4. Christian Lacroix                  d) Lucio Fontana e Man Ray
5. Christobal Balenciaga        e) Picasso, Mondrian, Van Gogh etc.
6. Elsa Schiaparelli                  f) Raoul Dufy
7. Emilio Pucci                          g) Grécia Antiga
8. Issey Miyake                          h) Roma Antiga
9. Jean-Paul Gaultier               i) Salvador Dalí
10. Madame Grès                     j) Barroco
11. Madeleine Vionnet             l) Hans Bellmer
12. Martin Margiela                   m) Richard Lindner, Jackson Pollock, Frida Kahlo etc.
13. Paul Poiret                          n) Bauhaus
14. Rei Kawakubo                    o) Marcel Duchamp
15. Yves Saint Laurent            p) Zurbaran

(*) Fonte: Livro “Art & Mode”, de Valerie de Givry
Respostas: 1/ c, 2/ n, 3/ d, 4/ j, 5/ p, 6/ i, 7/ a, 8/ b, 9/ m, 10/ h, 11/ g, 12/ o, 13/ f, 14/ l, 15/ e.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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