Um livro sobre John Galliano

03.11.1997

Divulgação

Enquanto os grandes estilistas vivos e mortos se contentam em virar título da eficiente série Mémoirs de la Mode (ed. Assouline), que já reúne a história e o estilo de quase vinte nomes em pequenos volumes de US$ 20, o inglês John Galliano vira biografia de luxo da mesma editora, escrita pelo historiador inglês Colin McDowell. “Galliano – Romântico, Realista e Revolucionário” (200 págs., cerca de US$ 80 na França) chega ao mercado com toda a atmosfera surpreendente que caracteriza a obra do biografado: na noite de lançamento mundial em Paris, Galliano simplesmente não apareceu. Foi dar o ar da graça semana retrasada em Londres, quando finalmente distribuiu autógrafos na Harrods.

Galliano sempre foi assim mesmo, excêntrico, mesmo quando era pobre e desconhecido. Só recentemente, quando se tornou o estilista responsável da maison Dior, substituindo o italiano Gianfranco Ferré, é que suas fantasias encontraram o suporte ideal: o dinheiro do empresário Bernard Arnault, do conglomerado de luxo mais poderoso do mundo, o Louis Vuitton-Moet Hennessy, que reúne ainda as marcas Givenchy, Kenzo, Lacroix e Celine. A estréia aconteceu em janeiro deste ano e Galliano, quatro coleções depois, só tem recebido aplausos por seu trabalho na Dior.

O interessante no livro de McDowell é que ele não se restringe à trajetória de Galliano. Para fazer o leitor entender este fenômeno que atraiu a atenção do planeta fashion desde o desfile de sua formatura na escola Central Saint Martins, em 84, McDowell contextualiza os principais personagens da moda deste século, busca paralelos no presente e no passado, descreve a jogada de marketing e a disputa acirrada que envolveram a sucessão na Dior, compara e explica as diferenças e semelhanças entre o new look original de Christian Dior, de 1947, com o “new look” que Galliano cria em 1997.

Juan Carlos Antonio Galliano nasceu em Gibraltar há 37 anos. Virou John aos 6 anos, quando a família se mudou para Londres. Ali seu pai trabalhava como encanador enquanto sua mãe o ensinava a dançar flamenco em cima da mesa e o vestia com “roupas de príncipe”, segundo McDowell. O garoto estrangeiro acabou sendo o menino esquisito da escola, mas aprendeu cedo a dissimular sua personalidade “ansiosa e tímida” através da roupa. “Só quando me formei é que percebi que a escola é que era esquisita”, conta Galliano.

Nos anos 80 Galliano entra na Saint Martins, uma das mais prestigiosas escolas de moda do mundo, e se sustenta trabalhando como contra-regra do National Theatre: “Eu fazia tudo: de engraxar sapatos até abrir a porta para os atores entrarem em cena. Aprendi muito, até hoje ninguém passa uma roupa tão bem quanto eu”, declara.

Assim, a vida de Galliano se dividia entre os dias na escola, as noites no teatro e as madrugadas nos famosos clubs londrinos. Segundo McDowell, o preferido de Galliano era o Blitz Club que obviamente exigia um rigoroso dress code de seus frequentadores – ele passava fins-de-semana inteiros produzindo o modelão. Sem dinheiro para drogas mais pesadas, Galliano se divertia tomando drinques como o Snakebite (mordida de serpente), uma mistura de cerveja, cidra, suco de cassis e Pernod.

Galliano transpôs este background para sua trajetória no mundo da moda. Enquanto os grandes nomes da moda exigiam atitudes impessoais de suas modelos, Galliano preferiu o estilo de Vivienne Westwood e desde o início pedia a elas que se transformassem em atrizes, princesas e damas da corte quando entrassem na passarela. Ele próprio adora se transformar: já raspou o cabelo à moicano, já usou longo cabelo rastafári e agora investe sua fantasia em um personagem nobre, com bigode fininho, que poderia ser um Dior espanholado. Cada desfile seu tem uma história que é elaborada desde o convite. Um deles vinha numa caixinha de madeira com uma sapatilha de ponta de bailarina.

Para sua própria marca, Galliano sempre flerta com o glamour e a decadência com grande refinamento: transformou lingeries em vestidos, prolongou as saias em cauda, retomou o corte Império, ressuscitou os vestidos de viés (especialidade da Madeleine Vionnet nos anos 20/30), só para citar alguns. Com Galliano é sempre assim: goste ou não, é impossível resistir à sua próxima traquinagem. E o livro de McDowell situa e entende todos os paradoxos de um gênio traquina, romântico, realista e revolucionário.

Lilian Pacce especial para O Estado de S.Paulo

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