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Gloria Coelho na linha do tempo

02.02.2011

Enquanto São Paulo parou na outra terça pra comemorar o aniversário da cidade, o prédio dos anos 50 em Pinheiros, onde fica o QG de Glória Coelho, estava a todo vapor, com suas máquinas de costura, linhas e agulhas trabalhando como as fadas-madrinhas da Cinderela. É que em véspera de São Paulo Fashion Week não há feriado pra quem trabalha com moda. Só hora extra. Especialmente no caso de Glória, que desfila na próxima quarta-feira e, no dia seguinte, lança um livro e abre a exposiçãoGloria Coelho – Linha do Tempo”, no Museu da Casa Brasileira, que vai exibir fotos e 60 looks criados desde 1996, quando surgiu o SPFW e ela entendeu a necessidade de arquivar suas criações e criar memória. Livro e exposição são projetos independentes que acabaram acontecendo juntos e retratam a carreira da estilista a partir de 1993. “Tenho a sensação de que trabalhei muito nesses anos, mas sem sentir nenhum peso”, comenta Glória nesta entrevista exclusiva ao Estado.

Nascida em Minas Gerais, Gloria passou a infância na Bahia e até se mudar pra São Paulo. Em agosto, ela completa 60 anos. Há 41 faz moda e há 36 tem sua própria marca. No entanto, o entusiasmo ao falar de suas criações é tão grande que parece de principiante. Os monstrinhos Pokémon são a inspiração pro desfile de quarta. “É a cara da geração do Pedro (seu filho, o estilista Pedro Lourenço, de 20 anos), íamos muito ao bairro da Liberdade comprar os bonequinhos.” Vem aí um inverno colorido? “Sim, há muitos tons claros de azul, amarelo, laranja, verde, combinados com preto, off-white e marinho. E tem muito do DNA da marca, como armaduras e roupas de motocross”, conta.

Já a exposição é uma evolução da que ela apresentou no Museu da Cidade em Lisboa em 2004. “É uma oportunidade pra nova geração conhecer melhor nossa técnica. Percebi que muitas vezes meu trabalho estava além do tempo. Em 2003, por exemplo, fiz a coleção ‘3-D de Luxo’, uma ideia que está acontecendo de fato só agora”. Gloria lembra de muitos momentos importantes de seu trabalho, entre eles o verão 99/00 onde ela usava estampas fluo que acendiam no escuro; o verão 2001/02 quando ela deixou a sala no escuro – “Ficou tudo negro” –, pouco antes dos atentados de setembro de 2001 nos EUA; o verão 2004/05 com roupas tipo armadura, sem costura nenhuma, arrematadas apenas por pinos; o verão 2006/07, cheio de flores, apresentado no dia da morte de seu pai: “Não poderia deixar de fazer o desfile. Saí do enterro direto pro desfile”. Hoje, o grupo Gloria Coelho detém a marca homônima, a Carlota Joakina e a Pedro Lourenço. São 120 funcionários, três lojas próprias e 100 pontos de venda, alguns no Japão e na Europa. A seguir, mais trechos da entrevista.

Como você começou na moda?
Comecei aos 6 anos quando ganhei uma caixinha de costura e não conseguia dormir. Com 11 anos fiquei muito feliz. Eram os anos 60, a boca das calças começou a alargar e senti que queria fazer moda! Aos 15 anos eu desenhava a roupa de todas as minhas amigas.

Quais foram os passos mais importantes da sua carreira?
Minha família sempre me deu liberdade para criar. Viemos pra São Paulo quando eu tinha 9 anos e aos 11 eu tinha uma amiga que também era apaixonada por moda: a Traudi Guida, da Le Lis Blanc, que viabilizou a edição desse livro. Fazer o curso no Iadê foi importante também – era equivalente ao da Belas Artes. Meus primeiros sócios, Rosa e Abrahão Henrique Saposnic, me ensinaram muito, assim como meus encontros com Marie Rucki (diretora do Studio Berçot de Paris que vinha ministrar workshops pela então Rhodia) e com o Reinaldo Lourenço (com quem ela foi casada por 25 anos), e o nascimento do meu filho.

O que era bom no começo e agora não é mais?
No começo eu só criava, era mais gostoso. Agora tenho que refletir muito pra fazer a criação pois há muitos fatores administrativos que me levam a trabalhar 14 horas por dia pra dar conta das duas coisas. Mas fazer moda pra mim sempre foi igual a andar e respirar, sem esforço nenhum.

Como você define seu estilo?
Tenho uma fixação pela década de 60, que é a mais linda do século 20. Mas misturo com rock, punk, nerd, teddy boys. Detesto roupa retrô, igual a de um brechó. Sempre penso como seria a roupa do futuro. Você só começa a ter uma expressão própria quando respeita suas escolhas, que estão dentro de você. Agora todo mundo tá fazendo roupa comprida, mas eu não estou com vontade. É o meu ponto de vista que prevalece, e não o dos outros. Não importa o que o mercado diz que tem que ser, você deve criar seu universo, sua turma. Não existe certo e errado. Existe gosto: pode ser sexy, austero, romântico, nerd. Depende do seu jeito.

Como você vê a evolução do mercado no Brasil?
Vejo uma evolução muito positiva, estamos crescendo muito, temos ateliês e demais segmentos como em qualquer lugar do mundo, com o gosto brasileiro. Há pessoas de estilos diferentes e essa diversidade abre espaço para todos se expressarem no mercado. O consumidor evoluiu muito, hoje ele tem desejo próprio, independente do que as chamadas “tendências” mandam.

Como você é vista fora do Brasil?
Não sei falar muito de mim, mas foi uma honra receber o título de Grande Dama da Moda Brasileira da revista “Wallpaper” e estar entre as novas expressões no mundo na “Madame Fígaro”. E pouco tempo atrás o Style.com descreveu o Pedro como filho de dois importantes estilistas brasileiros.

O que falta pra talentos do Brasil se destacarem lá fora?
Tem muita gente se destacando, mas faltam investidores. O custo de um desfile lá fora é altíssimo e esse é um investimento necessário pra se estabelecer lá.

Se você pudesse voltar atrás, o que você não faria de novo?
Nada, acredito que a gente aprende com os erros.

Que conselho você daria a um jovem estilista?
Pense antes de começar, existem novas profissões que não exigem tanto tempo e tanta dedicação como a moda! Diria: “É isso mesmo que você quer? Está disposto a trabalhar 14 horas por dia? Você tem todo esse amor pra dedicar à moda?”

Quais são seus planos de expansão?
Achar um sócio igual ao Márcio Camargo (referência ao CEO do grupo Artesia, da Le Lis Blanc e Bo.Bô)!

Lilian Pacce, especial para o jornal “O Estado de S.Paulo” em 30/01/2011

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