Azzedine Alaïa morre aos 77 anos

18.11.2017

Morreu hoje (18/11) aos 77 anos, em Paris, um dos maiores nomes da moda, Azzedine Alaïa. O estilista tunisiano morava no bairro do Marais, em Paris, pra onde se mudou em 1957 se estabelecendo no chamado olimpo da moda. Ficou famoso nos anos 80, após trabalhar pra Christian DiorGuy Laroche e Thierry Mugler – até abrir seu próprio ateliê. Suas peças foram reverenciadas pelo corte e pela modelagem precisos que valorizam a sensualidade feminina em silhuetas “just au corps”. 

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Alaïa trabalhou com celebridades como as cantoras Tina Turner e Lady Gaga, e foi um dos responsáveis pela carreira de Naomi Campbell – a top ficou sob sua tutela no início em Paris. Ele se aposentou em 1992, porém lançou uma coleção surpresa em 2011 e o perfume “Alaïa Paris” em 2015. Há seis anos longe das passarelas, realizou seu último desfile em julho durante a semana de alta-costura em Paris. Em 2015,  ele foi homenageado com uma exposição na Galleria Borghese em Roma. Na galeria você confere grandes momentos do estilista, suas clientes e amigas e fotos do último desfile. #rip

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Leia abaixo entrevista de Azzedine Alaïa pra Lilian quando ele esteve em São Paulo em 2004 para a exposição “Fashion Passion”, realizada na OcaIbirapuera, para o jornal “O Estado de São Paulo“.

A moda é em grande medida movida pela paixão. Mas alguns estilistas têm o dom de transformar o fogo da paixão em chama de amor – e assim se manter no topo do nem sempre efêmero mundo da moda. Um desses casos raros é o tunisiano Azzedine Alaïa, um nome cultuado entre os fashionistas que está em São Paulo acompanhando a montagem de suas peças na exposição Fashion Passion, que abre hoje na Oca.

Não é de se estranhar que Alaia seja o único entre os estilistas internacionais que participam da exposição a acompanhar pessoalmente a instalação de seu trabalho. Ele é assim com tudo o que leva seu nome: desde a modelagem até a confecção de uma peça, faz questão de fazer tudo com a própria mão. E é este perfeccionismo e seu enorme talento para valorizar a sensualidade da mulher que o alçou ao status de cult designer.

Há muitos anos ele prefere não participar da semana de prêt-à-porter de Paris e fazer apenas apresentações tão pequenas quanto concorridas. “Não gosto desta engrenagem sistemática”, diz referindo-se ao calendário que obriga os estilistas a lançarem pelo menos duas coleções por ano. Mas apesar de remar contra a corrente dos grandes desfiles de moda, Alaia está mais do que nunca na ativa e suas criações hoje estão presentes em mais pontos de venda no mundo (em São Paulo, na loja Clube Chocolate).

Em 2000, o grupo Prada lhe propôs uma sociedade e em 2002 ele contratou parte da equipe de alta-costura que trabalhava com Yves Saint-Laurent (que por sua vez estava se aposentando). Assim, sua produção extremamente pequena e artesanal hoje começa a ter um alcance mais proporcional à grande fama de seu nome. E graças à sua diminuta estatura, Alaia é conhecido como o pequeno grande criador – um gnomo sempre vestido com túnica chinesa preta que chegou a Paris em 1957, já formado em Artes Plásticas na Tunísia.

Segunda pele – Suas roupas de jérsei e couro que agarraram e esculpiram corpos como o de Tina Turner (inclusive no show que fez no Brasil), Grace Jones, Stephanie Seymour e Naomi Campbell são a principal razão para o termo “just-au-corps” (colado no corpo), tão usado nos anos 80, ser sinônimo de sensualidade e elegância. Vestir Alaia era de fato usar uma segunda pele. “Sexy não é a roupa e sim a mulher que a veste. É a mulher que faz a diferença, que impede o sexy de se tornar vulgar”.

Além da segunda pele, ele sempre soube valorizar com sua técnica as duas principais curvas femininas: o peito e a bunda. Mas ao contrário de seus concorrentes da época (como Claude Montana e Thierry Mugler, hoje no escanteio), Alaïa conseguiu manter o frescor de suas criações. Comento seu pioneirismo em trabalhar com tecidos stretch, e ele responde com sábia modéstia: “Na moda nunca se deve dizer que foi o primeiro – na Idade Média já havia malhas com elasticidade”. Mas a verdade é que o uso do tecido stretch está para Alaia assim como o tweed está para Chanel – é impossível dissociar um do outro. E como escultor contemporâneo, ele ressalta a diferença entre as suas roupas justas e as dos anos 50: “Graças a esta elasticidade, o corpo ganhou liberdade total de movimentos”. 

Muito antes também de ser bacana comprar em lojas populares como Zara e H&M, Alaia chamou a atenção da alta moda ao fazer uma homenagem à popularíssima rede Tati (espécie de Lojas Marisa francesa) em 1990. Seu amigo Julian Schnabel, pintor americano, havia feito um quadro com o pied-du-poule rosa e branco que caracterizava a Tati e Alaia resolveu criar algumas peças em jeans com esta padronagem. Não ganhou nenhuma comissão para isso, mas as peças viraram hype imediato.

Alaia também tem olho clínico para descobrir modelos. Entre as muitas histórias que ele se diverte contando, está a de Naomi Campbell, que trabalhou dois anos em seu ateliê antes de estourar no mundo da moda. A mãe da modelo inglesa pediu a Alaia que cuidasse dela em Paris e ele se tornou uma espécie de tutor da futura top. Na primeira noite em sua casa, Naomi simplesmente fugiu pela janela e varou a madrugada dançando em uma boate da moda. Alaia foi acordado por um funcionário que achou que sua casa-ateliê havia sido assaltada. O mistério só foi esclarecido horas depois, quando Naomi finalmente voltou pra casa. “Desde o começou ela era difícil. Um dia, me chamaram porque ela estava trancada no banheiro e não queria sair para fazer uma foto. Tive que ir até o estúdio para mandá-la trabalhar direito”, conta rindo enquanto monta as dez roupas de Fashion Passion sobre manequins transparentes recortados conforme a modelagem de cada peça.

Naomi aparece como Josephine Baker nas fotos de Peter Lindbergh para a Vogue francesa que estão na exposição. Na sala em frente, está Gisele Bundchen numa série feita no ateliê de Alaia por Gilles Bensimon para a Elle americana. “É muito agradável trabalhar com Gisele. Além de ser linda, ela tem um grande coração – é raro uma modelo alcançar tanto sucesso.” Prova de seu carisma é que durante essas fotos, Gisele calçou um chinelo e a foto acabou sendo publicada. Várias clientes quiseram comprar o tal chinelo – que era da Adidas e não de Alaia, cujos sapatos costumam ter saltos vertiginosos.

Apesar de ser sua primeira visita ao País, Alaia já teve um assistente brasileiro e tem intimidade não só com as modelos como com as mulheres daqui. “A brasileira tem um corpo incrível, sabe se mexer e dança muito bem. Adoraria vestir todas vocês”.

Ele comenta com certo orgulho e uma ponta de emoção que uma de suas grandes clientes e amigas foi a brasileira Elisa Moreira Salles: “Ela me visitava a cada dois dias no ateliê. Sem dúvida foi uma das mulheres mais elegantes do mundo”. E diz que adoraria encontrar seu filho, o premiado cineasta Walter Salles, que ele conheceu ainda criança.

Avesso a datas, Alaia não revela sua idade. “Sou do tempo dos faraós”, brinca. Pergunto qual é o segredo para resistir ao tempo com tanta juventude: “Todo dia eu acordo com a curiosidade de conhecer alguém e descobrir algo novo.” E avisa: “Quero ver o Carnaval.”

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