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África com Okan: os teares das mulheres do faso dan fani

05.06.2017

A gente continua acompanhando a jornada de Ligia Meneghel, da marca Okan, na sua pesquisa de cultura têxtil e de vestuário na África! Confira:

Deixo o Mali em direção ao Burkina Faso. No ônibus que atravessa a fronteira a viagem é longa – mais por conta das 6 paradas policiais do que pela distância. Os sucessivos confrontos no norte do Mali fazem com que o controle nas estradas seja contínuo. Uma vez instalada em Bobo Dioualasso, a 1ª visita é ao mercado, melhor lugar pra se ter uma ideia inicial de quais tecidos circulam pela cidade. Entre costureiros, bordadores, vendedores de chinoiseries (produtos chineses), encontro um espaço que agrupa comerciantes de tecidos artesanais que são chamados de forma geral por faso dan fani. Em dioula, língua local, significa “vestimentas tecidas do Faso”. Dioula é uma das principais línguas faladas na região – como o próprio nome da cidade, Bobo Dioualasso, indica, é a etnia Bobo que fala dioula.

O faso dan fani está na história do país. Thomas Sankara, marxista que foi presidente do país entre 1984 e 1987, já o havia eleito como um dos símbolos da revolução – pretendia promover a emancipação das mulheres pelo acesso ao trabalho, pela renda adquirida na confecção e pelo desenvolvimento da produção nacional. “Usar o faso dan fani é uma ato econômico, cultural e político de desafio ao imperialismo”, dizia. Anos depois, o atual presidente Roch Marc Christian Kaboré volta a colocá-lo em evidência. Ele tem aparecido em público vestindo o pano tradicional, relançando a moda entre os políticos. Pra comemoração do Dia das Mulheres de 2016 ele pediu que elas usassem o pano tradicional – foram produzidos écharpes e pagnes (a palavra pagne pode ser entendida como pano, tecido ou como um pedaço de tecido amarrado na cintura, usado como saia) com mensagem comemorativa. É importante notar que fábricas chineses produzem metros de tecidos industriais pra datas especiais com as tais mensagens comemorativas – o pedido de Kaboré é uma tentativa de resistência à globalização e invasão de produtos chineses.

Começo a procurar quem está por trás destes tecidos e encontro um terreno à céu aberto sobre o chão de terra com um grupo de mulheres. Elas trabalham sobre teares de metal maiores do que aqueles em que os tecelões tradicionais costumam trabalhar, feitos com troncos de madeira. Elas produzem faixas largas, diferentes das bandas de em média 12 cm tecidas pelos homens. Este grupo de mulheres está ligado a uma associação maior estabelecida em um bairro vizinho, a Cofatex, Cooperativa Faso Textile, criada em 2002 com apoio financeiro da ONG austríaca Onudi (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial). O projeto deixou de receber o financiamento em 2005 mas não deixou de funcionar: já havia se tornado sustentável e passou a ser coordenado por uma associação de mulheres presidida por Sakande Konate e seu braço direito, Ilboudo Compaoré. A tecelagem é tradicionalmente reservada aos homens mas a presidente explica que, com a modernidade, as pessoas entenderam que as coisas precisavam mudar – as condições de vida pediam que a mulher também contribuísse com o rendimento familiar e, segundo Sakande, como esse tear é maior e construído em ferro, diferente do tear tradicional reservado aos homens, e dessa forma pode ser usado por elas. 

Mulheres vão encontrando e ocupando seus espaços. Como diz um dos tecidos comemorativos, “Homens e mulheres engajados na construção nacional”, e outro, “Acesso pras mulheres à formação profissional e ao emprego”. Sankara também pede aos homens pra realizar as tarefas domésticas cada 8 de março e oferecer como presente à sua esposa um faso dan fani.

A experência em Bobo Dioualasso contradiz a perspectiva de desaparecimento do tecido tradicional: aqui a transformação artesanal do algodão atende uma população local orgulhosa. Nas sextas feiras, dia especial entre os muçulmanos, o entorno da mesquita antiga e as ruas ficam repletas de homens, crianças e mulheres ajoelhados em seus tapetes, vestidos com a roupa cuidadosamente escolhida pra esse momento. Independente do comércio turístico de tecidos (que depende dos europeus e norte-americanos), o faso dan fani é produzido, consumido e vestido por africanos. O tecido vive no cotidiano e não apenas nas exposições dos museus.

E ao mesmo tempo não podemos confundir a continuidade do uso de tecidos tradicionais com uma sociedade fechada pra intercâmbios culturais – os wax, popularmente conhecidos como “tecidos africanos” porém industrializados e fabricados fora do continente, prevalecem aqui como em outros locais da África. Jovens usam jeans, algumas meninas ousam em minissaias, e volta e meia uma jaqueta bomber traz nas costas estampada a imagem de Che Guevara.

Ligia Meneghel Chagas, da marca Okan, infohunter do site Lilian Pacce direto de Burkina Faso

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