A nova androginia do outono-inverno 2004/05

10.05.2004

Existe algo de novo subindo na roda gigante da moda. Uma estética que reflete o pensamento livre desta geração adolescente ao mesmo tempo em que avança numa reação contra o atual fenômeno “lady look” que Miuccia Prada tem disseminado com sucesso pelo mundo nas últimas temporadas.

Não por acaso, Karl Lagerfeld colocou um homem pela primeira vez em sua passarela no desfile de outono-inverno 2004/05 da Chanel – a grande mademoiselle que foi afinal quem adaptou o tweed do guarda-roupa masculino para o tailleur feminino. E Giorgio Armani, uma referência da elegância clássica, pontuou o último desfile masculino de sua Emporio com um modelo explicitamente andrógino, do corte de cabelo aos looks desfilados, como o spencer acinturado e a calça com babados.

Esta estética que reinventa mais uma vez o cross-dressing está sendo chamada de “neo androginia”. Nela, por exemplo, rapazes usam flores (aplicadas, estampadas, bordadas) em camisas e vestes. As moças usam vestidos vaporosos e delicados com botinões masculinos, quase punk. Neste crossover do novo século, os jovens trocam de roupa como trocam de ficante. E ficar com um menino hoje e uma menina amanhã é visto com naturalidade. Embora a palavra unissex, criada no final dos anos 60, soe démodé, ela na verdade mostra um desejo camaleônico de ser mais feminino ou mais masculina, sem que isso interfira na definição da sexualidade. Estão aí os metrossexuais para provar.

Dizem que o epicentro desta onda está em Berlim, principalmente do lado de lá do muro que caiu há 15 anos – o lado oriental que antecipou de certa forma a integração dos países do leste à União Européia que estamos vendo agora. Hedi Slimane, estilista da Dior Homme, freqüentou de 2000 a 2002 o Instituto de Arte Contemporânea de Berlim como residente. Fotógrafo curioso desde os 11 anos quando ganhou sua primeira máquina fotográfica, Slimane acabou sendo convidado para publicar seus registros da cidade no livro “Berlin“, editado pela 7L, de seu amigo e admirador confesso, o também alemão Karl Lagerfeld. Virou coffee-table book dos fashionistas.

Francês neto de brasileira, Slimane diz que se sentia em casa em Berlim, onde ficou encantado com a energia, as idéias e os jovens principalmente. Não é à toa que desde o começo suas roupas masculinas viraram objeto de desejo de mulheres lindas e descoladas. Sua silhueta predominantemente longilínea “afina” qualquer um e remete a outro ícone da androginia minimalista, o austríaco Helmut Lang. Em sua coleção para o inverno 2004/05 do hemisfério norte, Lang mais uma vez oferece ótimas calças de smoking – peça que as mulheres passaram a usar só depois que Saint Laurent teve a ousadia de propor nos anos 70.

Saint Laurent e Chanel continuam sendo a referência-mor, é claro. Mas este coro faz eco em muitas passarelas. Nesta temporada, estilistas como Valentino e Dolce & Gabbana prestam uma homenagem a outro célebre alemão: o grande fotógrafo Helmut Newton, que morreu num acidente de carro no início do ano. Suas imagens eram puro fetiche e não raro sua mulher fatal e muito sexy vinha logo com gravata preta – e talvez sem nada por baixo.

Também alemã, a atriz Marlene Dietrich foi uma das primeiras divas de Hollywood a bancar o cross-dressing no século passado, assim como Katharine Hepburn. La Dietrich virou musa de John Galliano para a Dior neste verão 2004 europeu e ganhou uma ótima exposição em Paris no ano passado, onde seus terninhos e smokings podiam ser vistos. Já em sua estréia na temporada masculina com sua própria marca, Galliano extraiu da lingerie feminina vários elementos que enxertou no guarda-roupa de seu novo homem, um neo dândi que admira e usa uma delicada rendinha.

Lilian Pacce

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