Moda ética em novo livro espanhol

19.09.2014

A sustentabilidade é uma realidade da moda – ou até uma necessidade. Marcas têm buscado diminuir cada vez mais o impacto de seus processos produtivos na natureza e na sociedade. Mas ao mesmo tempo essa realidade ainda não é clara pra muita gente – por isso o lançamento da editora GGBrasilModa Ética Para um Futuro Sustentável“, de Elena Salcedo, vem a calhar. Superdidático, o livro é uma boa porta de entrada pra quem se interessa pelo assunto, seja consumidor ou profissional da moda. Mais interessante ainda é que Elena é da Espanha, portanto a publicação mostra uma outra realidade, diferente da brasileira e também da do eixo NY-Londres-Milão-Paris – um refresco de referências novas que ao mesmo tempo tem muitos pontos em comum com o que a gente já conhece.

Elena é professora do departamento de marketing do Istituto Europeo di Design (IED) de Barcelona e é coordenadora do curso de especialização “Moda ética e sustentável” no mesmo centro. Também tem a plataforma de conteúdo BeCo (de “becoolbeconscious”) na internet, com muito material interessante. Blog LP fez uma entrevista com ela sobre esses assuntos. Confira abaixo!

Quais são as 1ªs dicas que você daria pra uma pessoa leiga que quer ter uma relação mais sustentável e ética com a moda?
Pra uma pessoa que quer se vestir de maneira mais responsável, aconselharia que ela se fizesse 3 perguntas:
. De onde vem a peça de roupa que está comprando? (É feita com materiais mais sustentáveis? Foi fabricada em condições dignas? A marca está minimizando os resíduos tóxicos?…)
. Como vai cuidar dessa peça enquanto a usa?  (Tentar lavar menos, lavar com temperatura baixa, secar a roupa ao ar livre, escolher produtos de limpeza ecológicos)
. Onde essa peça vai parar quando a pessoa não quiser mais usá-la? (Buscar uma 2ª vida pra peça consertando-a, customizando-a ou doando-a)
Só em ser consciente nestes 3 pontos, sua relação com a moda seguramente já será mais ética e sustentável.

Existem vários movimentos de novos consumidores cada vez mais fortes, como pessoas que só compram roupas em brechós e uma turma que só compra produtos produzidos no país onde moram. Você conhece algum caso extremo e bem diferente pra contar pra gente?
Não sei se é um caso extremo mas é um movimento que está ganhando cada vez mais força: o “do it yourself” (DIY). Existe cada vez mais gente que prefere confeccionar sua própria roupa ou acha divertido customizar uma peça que já enjoou. Ou inclusive os atrai a ideia de consertar uma roupa que pra eles têm um valor simbólico. Ao redor dessa nova tendência tem aparecido iniciativas como a Comake, que oferece ao consumidor a possibilidade de projetar o sapato, fabricá-lo e repará-lo, e ainda outros projetos que explico no livro. Pra quem está interessado nesse movimento, convido a ler as reflexões de Otto von Busch, designer e pesquisador que tem uma página na internet.

Muita gente ainda tem preconceito com a moda sustentável porque acha que ela fica devendo no quesito design. Você poderia citar alguns exemplos de marcas de moda que possuem criações arrojadas e são sustentáveis?
O preconceito de que a moda mais sustentável não tem design está cada vez menos justificado. Hoje em dia existem muitas marcas que estão oferecendo peças com um nível de design alto e práticas mais sustentáveis. Entre os exemplos de estilistas que propõem design mais sustentável estão a italiana Flavia Larocca, o israelense Daniel Silverstein e a brasileira Flavia Aranha. Outro exemplo é a marca holandesa Kuyichi, que associa o binômio design + sustentabilidade ao preço acessível, combinação que não é fácil de encontrar mas que pouco a pouco cresce.

Quem compra fast-fashion está de fato contribuindo pra uma moda menos ética e sustentável? Você acha que a gente deveria parar totalmente de comprar fast-fashion?
Pessoalmente não sou partidária de totalitarismos. Da mesma forma que sempre falo de uma moda “mais sustentável” porque creio que não exista uma moda 100% sustentável, não acredito que a sustentabilidade deva ser abordada de uma perspectiva radical, nem como empresa e nem como consumidor. O caminho da sustentabilidade é lento e infinito e deve ser caminhado com paciência e sem frustrações. Portanto, não se trata de deixar de comprar fast-fashion de um dia pro outro, e sim de reduzir a compra de fast-fashion na medida do possível, com a consciência de que não necessitamos desse consumo desenfreado que o fast-fashion promove.

Ao mesmo tempo, se o boicote a essas marcas acontecer em massa isso não vai prejudicar ainda mais trabalhadores de países que produzem pra essas marcas?
Esse é um dos grandes debates. Com certeza um boicote radical ao fast-fashion obrigaria as marcas a reagirem com a consequente situação das vendas, e uma possível saída [pra elas] seria exigir de seus fornecedores outras regras “do jogo”, regras mais éticas… Mas acho mais factível uma transição do que um boicote radical. Na transição do fast-fashion pra um slow fashion, a mão-de-obra desses países poderia começar a confeccionar peças pra outros tipos de marcas e em outras condições… É um tema complexo e um processo lento, mas hoje na China e Índia já existem fábricas que perceberam que uma maneira de se diferenciar não é com custo baixo e prazos de entrega curtos mas com condições de trabalho dignas e “sistemas de produção limpos” (clean production). Um caso de produção limpa que o livro analisa é o da empresa indiana Pratibha Syntex, fornecedora de grandes cadeias como Patagonia, Nike e Walmart.

Você acha que essa imagem aspiracional atual impossível da mulher magérrima e “perfeita” está ligada a outras questões éticas da moda que você inclui na publicação?
No livro, falo da moda mais sustentável como aquela que respeita as pessoas, os animais e o meio-ambiente. Dentro desse guarda-chuva poderiam ser incluídos temas como os cânones da estética na publicidade e passarela ou, em geral, a moda inclusiva, que é uma forma de mostrar pra sociedade que a moda deve incluir todos que querem participar dela – respeitando as diferenças, a diversidade humana. Existem muitos temas relacionados com a ética no setor de moda que não puderam ser incluídos nesse livro mas espero que possam estar presentes em publicações futuras.

Tags:                                

Compartilhar