Jalil Lespert fala sobre Yves Saint Laurent

23.04.2014

Estreia neste 24/04 no Brasil o longa “Yves Saint Laurent“, dirigido e co-escrito por Jalil Lespert, um parisiense de 37 anos, ator e cineasta, que não tinha muito a ver com moda até então. Ao decidir fazer o filme, Jalil entrou em contato com Pierre Bergé e ganhou acesso ilimitado aos arquivos da Fundação Pierre Bergé-Yves Saint Laurent, o que torna seu projeto o oficial, num contexto de dois filmes lançados sobre o mesmo assunto – “Saint Laurent“, de Bertrand Bonello, sai em outubro.

Lespert veio ao país pra apresentar o trabalho e conversou com o Blog LP sobre o processo de produção, as descobertas sobre Yves, a relação com Bergé e o filme concorrente. Leia abaixo:

Por que YSL? O que te fez começar esse projeto e o que você queria destacar?
Fiz uma piada ontem – não é boa, mas resume bem: eu queria fazer um filme sobre meu vizinho, mas a vida dele é terrível, e a minha também não é fantástica, mas a de YSL foi; um grande personagem e um gênio. Antes de tudo eu queria fazer um bom filme, me divertir e me sentir excitado por uma boa história. Algo francês, mas com uma visão geral. Cresci em Paris e ainda vivo por lá, onde a moda é muito importante e todos trabalham, de alguma forma, ligados a isso. Nunca tive nenhuma fascinação, mas a conheço e tenho muitos amigos envolvidos. E aí me dei conta de que ninguém fez um filme sobre YSL, então comecei a ler tudo sobre ele e descobri o quanto foi importante – e também que viveu uma incrível história de amor com Pierre Bergé. Queria falar sobre isso, porque realmente acho que foi uma das mais bonitas do século 20 na França.

Quando você aprende sobre Saint Laurent, aprende que ele era parte de um duo. Yves era o gênio, criador, mas o casal significa muito. E acho que esta foi uma boa maneira (colocar o casal em foco) de falar sobre um gênio, porque fazer um filme sobre alguém assim é complicado, impossível. Há sempre algo que você não consegue explicar num gênio – nem deve. Há algo que precisa se manter no mistério. E também seria chato ficar vendo alguém desenhando, ou escrevendo, exercendo essa genialidade. Eu sabia que com a história de amor eu teria o ponto de vista de um ser humano normal, que é Pierre Bergé. É um homem esperto e muito sensível, claro, mas não é um gênio. Dessa forma pude chegar muito perto do gênio sem me queimar.

Leia ainda: Os dois filmes sobre Saint Laurent

Como foi a aproximação com Pierre Bergé?
Muito simples: marcamos um almoço, porque antes de tudo eu queria conhecê-lo e me apresentar, dizer “este é meu terceiro filme, quero falar sobre YSL e sobre você, pois fiquei muito comovido com sua história de amor, mas ainda não sei exatamente o que vou fazer com isso e não quero começar o roteiro sem sua ajuda”. Porque eu queria usar os vestidos, mostrar coleções, os croquis, tudo o que eu pudesse. Queria filmar nas locações reais. Pedi o suporte e a confiança dele. Conversamos por 20 minutos sobre nossos passados – ambos viemos de classes inferiores -, sobre altos e baixos, sobre “Martin Eden“, o livro de Jack London que li quando era adolescente e me marcou muito. Contei que acho a história de Yves parecida com o livro e depois disso ele me falou: “Você entendeu quem era YSL, então eu confio em você. Esta é sua casa agora, você pode usar o que quiser, vá em frente”. Fiquei surpreso, porque todos me disseram que ele seria terrível!

E o que ele achou?
Quando mostrei o filme pela primeira vez, sabia que seria horrível se ele não gostasse, mas ele ficou absolutamente comovido, chorou muito… Acho que foi um momento importante da vida dele, porque significou, talvez, o fim de um luto. Ele me disse: “Ok, este é o fim. Está feito”, acho que foi a única coisa que falou depois de assistir. Foi muito forte.

O que você não sabia que te surpreendeu durante a pesquisa?
Descobri muitas coisas, não sabia que ele era doente… Foi diagnosticado muito cedo como maníaco depressivo. Isso é muito significativo, porque muitas pessoas costumam pensar no mundo da moda como superficial, estúpido, e odeiam moda e pessoas deste universo. Então foi muito difícil falar sobre o gênio que foi Yves Saint Laurent, tão sensível e tão frágil, sem cair no estereótipo de diva, uma pessoa que você só quer odiar. O fato de ser um homem tão doente o torna um herói pra mim, porque a vida toda ele lutou contra isso com criação – precisava criar pra não morrer. Amo este ponto de vista em particular. E acho que ele ainda é um mistério pra muitos, assim como Pierre, que sempre lutou pra preservar YSL. Guardou segredos pra controlar essa imagem, porque era impossível que todos entendessem que Yves era doente sem tratar isso como algo ruim.

Não sabia sobre Karl Lagerfeld, que ele e Yves eram tão amigos no começo, fizeram a mesma escola, na mesma idade… E Saint Laurent se apaixonou pelo namorado de Karl. Foi terrível pra Lagerfeld e pra Pierre Bergé. Percebi como mudou o jeito das mulheres se vestirem hoje, com calças e ternos. Foi um verdadeiro revolucionário com o prêt-à-porter. Ele queria vestir a mulher moderna, não as princesas ou mulheres muito ricas da alta-costura.

Veja também: 5 motivos pra assistir “Yves Saint Laurent”

O filme “Saint Laurent”, de Bertrand Bonello, também será lançado este ano. O que você sabe sobre ele? Vai assistir?
Não sei muito sobre o projeto, primeiro de tudo porque eu estava focado no meu trabalho. Não seria surpresa haver um dia outro projeto sobre YSL, a surpresa foi saber que havia um outro filme quase ao mesmo tempo e que o diretor, que eu conheço muito bem, nem ao menos me ligou, trabalhou nas sombras, não sei por qual motivo… Mas estou curioso pra saber o que ele fez, acho que será um bom filme. Desejei boa sorte a ele, mas sei que será difícil lançar o filme logo depois do meu, porque é o mesmo tema…

E por que o seu teve todo o apoio de Pierre Bergé, talvez?
Sim, mas acho que pela mesma razão: Pierre não sabia sobre o projeto, ficou sabendo pela imprensa, assim como eu. Mas não falei sobre isso com ele; não é da minha conta, especialmente porque eu conheço as duas partes separadamente. Mas devo dizer: quando você faz um filme sobre Yves Saint Laurent e aprende um pouco sobre ele, é estranho nem ligar pra Pierre. A única coisa que eu sei sobre esta situação de Bertrand é que Bergé disse: “Faça seu filme, mas se disser alguma bobagem, algo que não seja verdade, eu vou lutar pelos meus direitos”. É o mesmo pra você ou pra mim: se alguém faz um filme sobre sua história e você descobre lendo um jornal, você liga pro seu advogado e pede pra ele ficar de olho. Não acho que será o caso, acho que será um bom filme e vou assistir, definitivamente. Haverá muitos outros filmes e possivelmente até remakes, é normal.

Qual era sua ligação com moda antes do filme e qual é hoje?
Sou casado com uma modelo, tenho muitos amigos na moda. Eu gosto de moda, porque é algo muito natural onde vivo, mas não era fascinado por isso. Se você me dissesse há dois anos que eu poderia ficar comovido ao ver um vestido eu riria de você, mas eu de fato fiquei assim quando filmei a cena de passarela do filme. Não sou da moda, mas YSL é mais do que moda, é um dos grandes artistas de sua geração. Ele fez moda, mas poderia ter feito muitas outras coisas.

Tags:                        

Compartilhar