SPFW primavera-verão 2002/03: momento ufanista

19.07.2002

Alexandre Herchcovitch, Forum e Gloria Coelho fizeram da quinta-feira na São Paulo Fashion Week um dia de imagens fortes. A emoção toca diferentes partes do corpo e as imagens corroboram ainda mais para este momento ufanista da moda brasileira. Essa sensação foi seguida por André Lima, Renato Loureiro e Fause Haten, além da comercial moda praia da Água Doce, cujo ponto alto foi a presença da top tcheca Karolina Kurkova na passarela. O evento, que lança 38 coleções para a primavera-verão 2002/2003, termina hoje no prédio da Bienal.

O leve perfume de universo infantil – ou seja, alegria e inocência – da estação passada (Chapeuzinho Vermelho), vira 100% referência na coleção de Herchcovitch, um estilista que adora parques de diversão. As peças são absurdamente coloridas. Os tons saem de desenhos como “Meu Pequeno Pônei”, “Ursinhos Carinhosos” e “Teletubbies”: rosa, roxo, verde e azul manchados em tie-dye, combinados em patchwork de new-pierrôs ou em cascatas frufrus, misturados a marrom, cinza e preto e, finalmente, arrematados por faixas de arco-íris. Às vezes fica hippie, às vezes, Carnaval (Rio ou Veneza), mas a imagem é sempre fresca, como os alvos coloridos pintados sobre o chão branco onde, ao final, ele e as modelos brincam de roda.

O sutiã do biquíni, desleixadamente solto sobre tops, remete tanto a uma brincadeira infantil como a uma abusada noite de farra. Na alfaiataria impecável, como o terninho branco, o blazer é vazado nas laterais e as jaquetas têm acabamento elástico. Junto com as calças de sarja ou algodão, o conjunto tem forte espírito sportswear, com bolsos utilitários e tiras afiveladas na perna.

Se Herchcovitch diz que não pensou em Carnaval, Tufi Duek da Forum consegue momentos de apoteose em sua passarela, que terminou com a bateria da Viradouro acompanhando a top Adriana Lima como musa de escola de samba. Com cenário de Joãosinho Trinta, as modelos vêm em altas plataformas douradas e muitos adereços criados em parceria com Henrique Filho – é o sambódromo mostrando sua habilidade couture de fazer inveja a Lésage, mestre francês na arte do bordado.

Tirando as plumas e paetês, ficam vestidos de cetim de seda com mangas-asas plissadas, as calças de sarja sequinhas e baixas, os tops amarrados por fitinhas-fetiche nas costas, macaquinhos e bustiês. Ao final, Tufi e Joãosinho Trinta comemoravam o sucesso da simbiose passarela do samba/passarela da moda.

Depois de tanta festa e samba no pé, parecia difícil que o último desfile do dia fosse capaz de impressionar. Mas a G de Gloria Coelho soltou uma corredora pela passarela e abriu o desfile com sua nova linha fitness, de microfibra stretch e sem costura, que tem como acessório desdobramentos do cinto-trapézio de velejadores. A peça de tiras se transforma em tops, mochilas, barrigueiras, num ar bem esporte-utilitário com papetes pontudas medievais.

Com o corpo em forma, a mulher G parte para o romance e se enfronha de Brumas de Avalon. Pendura dezenas de laços na saia mais curta de náilon de seda, usa gargantilha de rosas, bloomer de algodão com linhas (des)bordadas. Ecléticas, as casaquinhas shakespeareanas têm manguinha bufante removível e corte impecável. Cores: branco, bege e pretos (verde-preto, marinho-preto, marrom-preto).

Renato Loureiro, por sua vez, mistura anos 40/50 com 80 em uma coleção que propõe “um novo olhar sobre o velho”. O estilista mineiro, apaixonado por formas japonesas, desenvolve uma identidade mais brasileira ao fazer patchworks de tecidos artesanais e tecnológicos, sempre envelhecidos por meio de tingimento com chá e banhos de jatos de areia, com cara de lingerie antiga, manchada pelo tempo em que ficou mofando na gaveta.

Ao som de big bands, mostra um verão em tons de bege e dourado que tem peças de espírito conservador e releitura moderna. O top com manguinha bufante tem acabamento destruído, enquanto o chemisier mistura estampas ou bordados de paetê de inspiração mexicana que produzem efeito fresco, principalmente nos tecidos de tear. Neste trabalho consistente, sintozinado com o desejo global pelo vintage, as proporções são classicamente femininas, com cintura sempre marcada. Tudo com muitas jóias de ouro.

André Lima mostrou uma boa evolução em relação a seus desfiles anteriores no SPFW, mas podia ter dispensado o túnel preto no meio da passarela. Inspirando-se nos anos 70 e 80 e em personagens como Sônia Braga e Secos & Molhados, o estilista fez um desfile de excessos recheado de frente-únicas, túnicas, ponchos e pantalonas.
Sua moda, sem dúvida, é para mulheres que querem estar em evidência. As estampas são enormes e coloridas. As cores vão do violeta ao alaranjado, passando por açaí, cru e marrom. Algumas das peças vêm “envelhecidas”, como manda a temporada. O melhor são as camisetas pretas desbotadas com a estampa de Maria Bethânia misturadas a sedosos vestidos de noite e peças de macramé franjadas.

Único estilista a se apresentar fora da Bienal, Fause Haten mostrou uma coleção masculina muito mais casual do que a de inverno, em uma apresentação ao ar livre no vão do MuBE (Museu Brasileiro da Escultura) prejudicada pelo frio e garoa. Ao som do pop-rock pesado do Foo Fighters, o estilista trabalhou bem a variedade de calças, que vão desde o jeans rasgado e manchado, tipo sujo, ou em versão delavê, até os siliconados em prata e dourado, passando por modelos tipo cargo. As bermudas, que aparecem em modelos esportivos, de proporções relaxadas, ou em versões urbanas mais secas, têm o comprimento sempre abaixo do joelho.

Para complementar, t-shirts de telinha, camisas com estampas coloridíssimas com ilustrações gigantes ou cardigã de manga curta. Para o cliente mais arrumado, ele aposta em paletós e jaquetas de jeans delavê e camisas tipo smoking. Investindo no co-branding, ele lança as Havaianas Trekking (com tira regulável no calcanhar), cuecas Zorba e dá continuidade aos óculos com a Fotoptica. Em setembro, Fause vai realizar seu 1º desfile em Milão, na semana de prêt-à-porter feminino.

Lilian Pacce

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