SPFW Primavera-Verão 2001/02

01.07.2001

Reinaldo Lourenço e Ronaldo Fraga foram os grandes destaques dos desfiles do final de semana da São Paulo Fashion Week, evento que lança 30 coleções para primavera-verão 2001/2002 até amanhã na Fundação Bienal, parque do Ibirapuera. Reinaldo se sobressai pelo primor com que executou peças superelaboradas e de forte impacto. Ronaldo, pelo seu desfile politizado que casou tão bem sua indignação com seu estilo.

Reinaldo chama a coleção de Tribal Époque, o que significa uma mistura de etnias com o período Belle Époque e um leve perfume de anos 70. O desfile abre com uma continuidade da coleção de inverno: a modelo Marcelle Bittar toda de couro preto. Mas agora a manga bufante sai da cava baixa e a calça vem com minissaia kilt. O mesmo look vale também para o novo homem de Reinaldo, que volta a fazer coleção masculina. O resultado, entretanto, não é a androginia óbvia. Curiosamente, esse look muda de cara quando passa da mulher para o homem. Reinaldo pretende mostrar que o homem tem direito a desejos fashion, traduzidos agora por ele como babados, plissados e volumes franzidos em smok (que hoje é associado a vestidinhos infantis, mas originalmente era usado pelos camponeses da Inglaterra). “Eu adoro moda e nunca encontro a roupa que eu quero usar, então resolvi produzir eu mesmo uma coleção”, conta.

O smok é o fio condutor que cria proporções e desenhos variados ao longo do desfile. As formas do smok se desdobram nos bordados com placas de metal coloridas (azulão, amarelo, vermelho, branco e preto), resultando em motivos tribais. Segundo Reinaldo, o desenvolvimento de 30 formas diferentes de placas só foi possível graças à sua parceria com o fabricante, a Eberle. Além das cores fortes, ele aposta em cores falsas: marrom e marinho que parecem preto, rosa e o azul que parecem branco (usados em casacos eduardianos com delicadas flores de linha vermelha e franjinha de pompons na barra).

Já o mineiro Ronaldo Fraga faz um tributo à estilista Zuzu Angel, que lutou contra a ditadura militar (e a denunciou numa coleção apresentada nos Estados Unidos), teve seu filho morto nas salas de tortura e foi ela mesma assassinada em condições misteriosas. Na passarela, um pau-de-arara com bonecos de pano torturados. Na trilha, marchinhas de Carnaval, lembrando que o povo precisava se distrair. A filha de Zuzu, a colunista social carioca Hildegard Angel, assistiu emocionada o desfile.

A ironia e a inocência passam pelas modelos com auréola prateada de estrelas, casaquinhos curtos e secos estampados de nuvem e sapatos cor de pele pintados com os dedinhos dos pés. Até o jeans é Angel Blue. A capa plástica do botijão de gás empresta sua forma e seus frufrus a vestidos e camisas, que também pegam dos panos de prato os bordados de casinhas, passarinhos e flores. Na estampa de cataventos verde-e-amarelo, o ufanismo do período da repressão. Ronaldo dá seu recado sem perder o charme e a sedução da moda. É o nosso estilista realmente engajado.

Lino Villaventura surpreendeu. O início de underwear cor da pele, básico e limpo, parecia ser de qualquer outro estilista. Mas as roupas vieram e mostraram que Lino de fato vive um novo momento. Ao se livrar dos elementos rococó (como as cabeças ornamentadas e a maquiagem teatral) que marcaram seus looks ao longo de sua trajetória, ele ressalta o trabalho artesanal da coleção. Acostumado a viver entre rendas labirinto e filé no Ceará, Lino troca a linha pelo canutilho reproduzindo esses desenhos em vestidos e tops delicados, em branco ou preto – e também os imprime em calças jeans.

Mas não é só no ornamental que Lino chama a atenção. Saias de tecido crina-de-cavalo vem com cós fininho ou debrum de lézard. A camisa de linho bege é bordada com micro-aros de cristal vermelho. E as pulseiras pretas com cristal fazem contraponto com os quadrados luminosos da passarela, também preta.

Outro estilista que adotou a máxima “menos é mais” de Mies van der Rohe foi Fause Haten. “Nesta coleção tive vontade de suavizar a exuberância com a qual costumo trabalhar”, diz, evocando a simplicidade de Coco Chanel. O desfile se estrutura como uma exposição na qual as modelos entram, caminham e param estáticas na passarela, compondo uma imagem delicada no final, em que o preto e o branco prevalecem, exceto por meia dúzia de looks em vermelho e rosa. Os vestidos pretos de malha stretch, efeito casca de árvore, contrastam com vestidos-túnica coloridos de georgete esvoaçante.  A calça preta com top branco todo bordado de perolinhas não poderia ser mais Chanel. Mas Saint-Laurent, de ontem e de hoje, também está presente, seja nas saias brancas de babados de penas de ganso, de ráfia ou de musseline, seja nas faixas de smoking feitas de couro. Cintos de penas pretas pontuam os looks, assim como a nova linha de jóias de Fause, que se destacou no crucifixo e na estrela de David de diamantes.

A Forum, de Tufi Duek, também aposta na delicadeza dos vestidos-túnica de cetim que fizeram a alegria do jet-set nos anos 70. Sempre de olho na sensualidade brasileira, Tufi se volta novamente para sua cidade natal, o Rio de Janeiro, e desta vez vai buscar suas musas imaginárias no livroEla é Carioca”, de Ruy Castro. Mas o ponto alto da coleção está na proposta de um novo homem, mais relax e descontraído, que troca o terno almofadinha por calça jeans com camisa listrada e paletó de couro branco. A musa desse novo homem brinca com echarpes, babados suaves e franzidos de látex em vestidos assimétricos de jérsei e cetim, além, é claro, dos modelos-túnica que insistem em revelar os ombros. Cores fortes como vermelho e turquesa se misturam, mas o preto e o branco não saem de cena. As viagens de fim-de-semana ela encara com uma pantalona com veste transpassada e chapéu – tudo em jeans.

Carla Fincato, a estilista da Carlota Joaquina, estava em Paris em março quando visitou a exposição da artista plástica japonesa Yayoi Kusama, que adora bolas. Foi o casamento perfeito para seu desejo de trabalhar com os anos 60 para o verão 2002, influenciada também pelo estilista Rudi Gernreich. Tudo vem em bolas: da maquiagem à estampa da meia-calça, passando pelos acessórios com círculos de alvos e a imagem de Twiggy, modelo-ícone da referida década. O vestido-túnica é vazado em círculos e usado com calça de moletom. O neoprene brinca de dupla-face em vestidos soltos ou estruturados em forma de círculo. Tudo é confortável, como mostra a sapatilha tênis nas deliciosas cores da coleção: cinzas, pele e rosê com verde e rosa flúor.

Na Patachou os círculos também aparecem, mas sua história pretende passar pelo circo, com ginastas da Cia Ana Vitória de Dança Contemporânea fazendo um show à parte ao fundo da passarela. Terezinha Santos se apaixonou pelo que viu no livro sobre o Cirque du Soleil. Malhas vêm com franzidos e babados, que já saem assim da máquina, ou se estruturam em corsets confortáveis. Predomina a composição do branco com vermelho e marinho, que se repete também na coleção da Iódice, de modelos simples mas de bom gosto. Já Walter Rodrigues, na passarela com aroma de canela, quer se livrar do estigma de costureiro de festa. Aposta em confortáveis saias longas para o dia e delicados tops transparentes de tela enervurada – tudo branco. Mas é na festa que ele se destaca, como nos vestidos pretos em que mistura crepe e renda, numa parceria que fez com as rendeiras do Piauí.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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