O último dia de SPFW outono-inverno 2005: regressão?

24.01.2005

Babados e rendinhas com cara de velhinho e desbotado, mas cheiro de novo. Desejo de ser nômade e livre como os hippies e ciganos, ou de viajar no inconsciente resgatando o rico imaginário dos contos de fada ou das grandes óperas. Como diria Freud, a moda está vivendo uma fase de regressão. Mas como a vida da rua tem seus percalços, para agüentar o tranco é preciso um pouco de passo firme como só os uniformes militaristas conseguem ter. Num resumo muito breve, esta é a cara da moda que está surgindo nesta 18ª edição da São Paulo Fashion Week, que termina hoje no prédio da Bienal com os desfiles de Marcelo Sommer, Renato Loureiro, Mareu Nitschke, Giselle Nasser, André Lima e Cavalera – que promete dar status de alta-costura à básica camiseta, com alusões à monarquia brasileira tendo uma réplica legítima da coroa imperial como adereço.

Os uniformes também são inspiração para a coleção masculina de Alexandre Herchcovitch. Mas sua luta cotidiana sai dos ringues de boxe e encontra conforto no brilho do cetim matelassado (mesmo que só em preto), nos cinturões de campeão com placa de estrela ou caveirinha, e nas estampas com imagens clássicas do esporte de Mike Tyson. Mas até este lutador suado e de olho roxo, tem seu lado escapista como mostram as estampas de menininho e até os moletons tipo canguru com muito capuz. A calça é mais largada, com boca afunilada, de preferência por dentro da botinha bicolor. Mas a variedade dos sapatos é grande: inclui ainda bico fino de verniz, tênis Converse e muitas botas. Em looks de cores sóbrias, ele concentra a luz nas gravatas-lenço de bolinhas coloridas amarradas por dentro da camisa.

Inspirada no universo do xamanismo, a estilista Fabia Bercsek fez uma ótima estréia ontem à tarde. Fábia representa bem o espírito da temporada: a mistura de referências muitas vezes contraditórias que acabam resultando em imagens novas e instigantes. Depois de se apresentar no evento Hot Spot, voltado para jovens, ela parece subitamente madura nesta coleção que ela chama de Solstício de Inverno, onde foi corajosamente fiel a suas vontades em seu melhor momento até hoje. Num misto de cantora Cher com Pocahontas, ela personifica a imagem de sua mulher: uma guerreira romântica, como a imagem de Ana Claudia Michels de noiva no final.
Esta guerreira é meio índia, meio cowgirl. Usa casaco de couro com franjas e balaio de palha original dos índios xavantes, customizado com flores pintadas pela própria Fábia, uma ilustradora de mão cheia. De trança comprida e muitos colares, ela vive em contato com a natureza como mostram também suas cores de terra, verde e branco sujo combinadas a um suave lilás, amarelo e salmão. Um dos melhores looks veio em Marcelle Bittar: colete de gatinhos sobre camisa de organza lilás com flores aplicadas e calça e jaquetinha da mesma cor, com cachecol e polaina amarelinhos. O tricô manual, uma de suas marcas registradas, faz uma boa jaqueta de tiras onduladas, como se fosse uma cobrinha que vai aparecer também nas estampas desenhadas por ela. Ao final, Cher é invocada mais uma vez na música “I Got You, Babe”.

Outra boa estréia foi de Samuel Cirnansck, que começou na moda como figurinista de teatro e agora, depois de suas participações no Hot Spot, encontra o caminho para uma roupa mais real, mesmo que esta realidade seja a de festas muito glamourosas, quase “couture”. Samuel trabalha o volume da estação, das saias rodadas dos anos 50, com jogo de babados e bordados num material nada habillé e muito pop, o jeans. Consegue ótimos resultados numa silhueta feminina e romântica. É o melhor momento do desfile.

Na Vide Bula, a idéia fantasiosa da história de Alice no País das Maravilhas fica apenas no cenário de cogumelo e chapelão gigante. Para encontrar esta princesa contemporânea, a Vide Bula abusa de acessórios, colocando mais informação do que o necessário: bonés com lenços, pulseiras, colares, blusas amarradas na cintura… Os tricôs são gostosos e rústicos, vêm curtinhos ou em maxipulls. O xadrez e o veludo aparecem tanto em saias rodadas quanto em paletós acinturados. A imagem que mais se aproxima da Alice moderna é a de Larissa Castro, com saia xadrez, avental de veludo marrom e boné, acessório indispensável no inverno desta marca mineira. No masculino, a vontade do rock desaparece também numa avalanche de informações. Caveiras bordadas, jaquetas e parkas complementam os looks de sobreposição no vestuário masculino.

Caio Gobbi volta a desfilar no evento limpando alguns excessos e assumindo uma cliente mais jovem. Sem sair de seu próprio universo, ele continua a trabalhar com cores fortes como o pink e verde. Segue os desejos mais comerciais da temporada, apostando em saias balonês e mínis justinhas com barra de babado, no veludo cotelê, nas malhas e no jeans. A estampa floral conversa com o momento atual e ele radicaliza no look de Luciana Curtis de vestido e meia-calça da mesma estampa.

A estilista Lourdinha Noyama faz sua estréia oficialmente, depois de ter feito uma apresentação extra um ano atrás. De Recife, ela desenvolve um trabalho bem artesanal voltado para roupas de noite e escolhe a invasão holandesa e as pinturas de Franz Post para ilustrar o espírito de sua coleção. Infelizmente, peca pelo excesso de referências literais, desde as estampas até a escolha do casting, com beauty carregado. Faltou um bom stylist.

Lilian Pacce (colaborou Camila Yahn)

Tags:                                                                                                                                                                                                                                          

Compartilhar