Neon e Érika Ikezili, as estreias do SPFW outono-inverno 2005

23.01.2005

Duas marcas novas, Neon e Érika Ikezili, estrearam este fim de semana no São Paulo Fashion Week, que termina amanhã após a apresentação de 47 desfiles em salas montadas no Pavilhão da Bienal. Os corredores do prédio de Oscar Niemeyer transbordavam de gente no fim-de-semana e os desfiles chegaram a atrasar uma hora. Ontem de manhã, a nova Neon trouxe seu frescor para o evento, em desfile fora do Ibirapuera. Os fashionistas se deslocaram até o centro da cidade, no teatro Oficina, o templo de José Celso Martinez. Cacá Ribeiro, o novo sócio da marca, disse que a locação tem o mesmo espírito libertário da grife. E o desfile mostrou isso.

A dupla Dudu Bertholini e Rita Comparato faz da Neon uma luz mesmo na moda. Uma luz forte que irradia laranja, turquesa, verde-bandeira, vermelho. Tudo tem uma graça: as modelos passeando pelas arquibancadas do teatro, as modelos rodopiando, à Saint Laurent nos anos 80, levantando a roda da saia. Graça também nos tops e vestidos tomara-que-caia que deixam a silhueta um balãozinho. Graça nos brincos de nozes. E até nas plataformas, um ícone anti-elegância por natureza, que eles conseguem sofisticar na forma e na estampa de bananeira ou palmeira.

A coleção tem um ar marinheiro no azul do vestido incrível (com tira de oncinha amarrada na cintura) ou na calça de cintura alta. Mas é a estética africana que a Neon tanto domina que se sobressai tanto nas estampas quanto nos caftãs – como o de Juliana Imai encarnando o próprio Zé Celso no final.

No sábado foi a vez de Érika Ikezili, que veio do Amni Hot Spot (celeiro de jovens criadores). Sua chegada à SPFW acontece num bom momento para ela: tanto a moda agora quanto ela desde antes buscam referência no universo infantil. Ela começa com um bom jeans, de modelagem sequinha, com costuras que formam um losango. Losango que vai se impondo ao longo do desfile até chegar ao clássico Argyle em leggings e blusas, como a camiseta rodada em tons pastel. Lindo o frente-única que trabalha o losango em tridimensão.

Mas é bom que esses jovens possam olhar para veteranos do mercado como a Huis Clos. A estilista Clô Orozco é uma lição de sofisticação pra nova geração. A sofisticação que Chanel aprendeu com seu nobre namorado inglês: o verdadeiro luxo é aquele que não se vê. A coleção de Clô é assim: rica nos tecidos e formas, mas silenciosa e discreta no resultado, tanto na roda gigante de seus godês quanto nos macacões retos, amarrados na lateral. Marrom, marinho e off-white tão o tom.

Mas tanto a Clos quanto Lino Villaventura perderam com o formato da apresentação: ao deixar as modelos andando na passarela, o desfile ficou literalmente repetitivo. No caso de Lino, quase monótono no masculino onde, aliás, o look que se salva é o de new face Felipe Brescowice, de camisa militarista amassada e manchada. Mas quando Letícia Birkheuer entra, abrindo o desfile feminino, a imagem muda completamente. Sem cabelo nem carão, com make todo bege, incluindo as lentes de contato, é grande a evolução de sua mulher. O longo creme-café com saia rodada mostra um primoroso trabalho de tecidos picotados que vão vir a preencher a coleção. Os picotes ganham saias de volume anos 50 que vão bem com as blusas de alcinha leves e bordadas, ou no vestido cinza com laço realçando a cintura. A predominância dos tons claros é outra boa escolha, embora o preto e o vermelho revelem a dramaticidade sempre cara ao estilista.

Antes de Lino, a V.Rom mostrou coleção inspirada no filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, um clássico infantil, e no universo das compulsões. O estilo de seu personagem principal, Willy Wonka, aparece nos meninos de cartola, terno e bengala, mas com o fresco olhar de Vitor Santos e Rogério Hideki, estilistas da marca. O styling de Thiago Ferraz mistura materiais, estampas e texturas de forma apurada e moderna. Os looks trazem sempre muita informação, como a sobreposição da mesma estampa na camisa e no paletó ou jaqueta. O trabalho nas calças é destaque, com forma de moletom e elástico no tornozelo. Aliás, o moletom surpreende em tratamentos novos, como o das jaquetas emborrachadas com estampa de chocolate derretido ou de sangue da paixão. A calça pode ser bem sequinha, com o cavalo baixo, bolsos localizados e barra franzida dentro das botas de motocross ou dos tênis grandões de basquete, hit entre os skatistas de hoje.

Justiça seja feita, o sucesso do desfile da Raia de Goeye se deve em grande medida à cenografia criada por Alberto Renault. O diretor colocou a platéia numa arquibancada montada em pleno palco do teatro Municipal e estendeu a passarela sobre a platéia. As estilistas Paula e Fernanda evoluem no seu jeito Chloé de ser, com microvestidos de estampas geométricas sobrepostas e sensual decote ampulheta. Os casacos vêm arredondados e roubam a modelagem das batas que são febre deste verão. O mais lindo é o tom sobre tom dos looks do final, onde o verde do vestido de veludo drapeado dialoga com o verde das paredes e do veludo das poltronas.

O feminino de Fause Haten parece um conto de carochinha. Ele faz um trabalho de formiga nas estampas, mas cai na teia de aranha do luxo no bolerinho bordado de canutilho. Suas libélulas ficam melhor quando o cetim é menos, como no longo vinho com maximoletom cinza. Mas o zumbido dos insetos provoca tontura no conceito de elegância. E Ana Hickmann é a própria viúva negra na entrada final.

Pela 2ª vez no SPFW, o carioca Carlos Tufvesson (estilista do vestido de noiva da apresentadora Angélica) apresentou um olhar mais fresco e jovem. Ele acerta quando trabalha com simplicidade nos vestidos lisos e curtinhos do começo, como o rosinha de Jeísa Chiminazzo. Desta vez, passa bem pelo jeans justo e chega a lindos vestidos-coluna, como o branco e preto de Letícia Birkheuer.

Por conta do atraso de uma hora do sábado, a platéia já estava cansada quando Lorenzo Merlino soltou todas as modelos de uma vez na passarela. Num misto de dança das cadeiras com a brincadeira de estátua, elas paravam junto com a música, para sair em seguida. O formato é corajoso, mas ficou cansativo. Merlino costuma trabalhar uma sensualidade velada e sóbria, com jogo de assimetria, e desta vez não foi diferente. Entre os looks mais legais está o trench-coat magenta usado com uma grossa meia de lã cinza e escarpin. E o vestido preto do início em Eliana Weirich, com elásticos embaixo, por onde entram as pernas. A novidade são as roupas-acessório, como a blusa-pulseira ou a blusa-brinco com alça na orelha. E o vestido todo bordado com correntes, usado por Ives Kolling.

O mineiro Eduardo Suppes vem mais leve, com beleza mais suave e formas menos exuberantes. Melhor assim. O estilista interpreta com estilo próprio duas tendências fortes da temporada: babados fluidos das ciganas e uniformes militaristas. Bons os roses com bege (lisos ou com estampa de cashmere) do primeiro tema e os casaquinhos espinha-de-peixe com galão dourado do segundo. Mas o bloco final, em preto, tem um quê de coleção passada.

A Alphorria comemora 20 anos de mercado numa passarela com backlights com fotos de suas campanhas com modelos como Luciana Curtis e Alessandra Berriel, que estavam na platéia, e até uma jovem Gisele Bündchen. O make carregado entrega esta mulher exagerada em sua sensualidade e exuberância, em modelos de cintura marcada tanto nos tecidos fluidos quanto na lã pesada. E já que o domingo chegou ao fim na Bienal, a passarela se transforma em festa com muito champanhe e as modelos dançando.

A Uma segue um caminho menos utilitário, inspirada na cultura oriental e seus quimonos. O obi (faixa da cintura) de paetê com bolsinho embutido é boa proposta, principalmente no maximoletom cinza – tom que predomina no início. Depois a cartela ganha tons de verde, vinho e vermelho, sempre com perfume étnico, tanto nas listras quanto na estampa.

O inverno da masculina VR é inspirado na Escócia. Um grupo de músicos entra na passarela tocando a tradicional música daquele país, com gaita de fole. E são justamente os elementos escoceses que se sobressaem, com o ótimo xadrez das calças camelo/cinza e dos tênis. Bom também o trabalho de envelhecimento do tricô e do veludo liso. Mas é entendiante a série de looks clássicos que tenta se modernizar na passarela, quando na verdade ela é apenas reflexo fiel da necessidade comercial da marca.

Mario Queiroz se inspira na diversidade de culturas e povos tendo o saguão do aeroporto como ponto de encontro. Trabalhando sarja, jeans e malha numa cartela de cores em tons fechados de cinza, preto, azul e verde, Queiroz mistura calças sociais, túnicas e ponchos, num resultado infeliz onde faltam elementos esportivos indispensáveis a um bom viajante.

Lilian Pacce (colaborou Camila Yahn)

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