Num desfile elaborado, elegante e ao mesmo tempo provocativo, Alexandre Herchcovitch se destacou entre as coleções apresentadas quinta-feira na São Paulo Fashion Week, num dos grandes momentos de sua carreira. Acostumado a cobrir o rosto das modelos, desta vez elas começaram o desfile com a cara limpa que ia ganhando risquinhos até ficar com o rosto totalmente coberto de preto – obra de Celso Kamura, que é também o make-up artist da prefeita Marta Suplicy.

No tablado de madeira em desníveis, as meninas vinham com cabelos levemente desgrenhados pisando em botinhas de gobelin com sola verde-limão, dando a tônica de toda a coleção: a comunhão do novo e do velho, do fausto e da simplicidade.

Herchcovitch trabalha formas pomposas e opulentas – como os saiões sustentados por tule, ou os fraques com cauda interna drapeada – em tecidos de streetwear como o jeans bem lavado, malhas leves, fleece e moletom. Ao mesmo tempo, cria um gobelin (tecido de tapeçaria criado pela família homônima no século 15) com desenho da floresta amazônica, que mistura tucanos e caveira (sua 1ª marca registrada), em jaquetinhas básicas e calças utilitárias. Ou cria um avental-jardineira risca-de-giz usado sobre tutu de tule, legging e camiseta bicolor. Sua astúcia está exatamente na harmonia de tantas sobreposições de cores e peças que resultam num look fresh e forte.

O estilista Marcelo Sommer também vive um bom momento. Seu tradicional casting de não-modelos se soma agora a crianças, para quem ele está lançando uma lúdica e deliciosa coleção de roupas em parceria com a marca de brinquedos Estrela. A fusão de épocas e estilos também aparece aqui, na coleção batizada “De Épocas”. Com muito verde, rosa e marrom, Sommer também recorre à tapeçaria e aos papéis de parede em padronagens de vestidos tomados da história, seja Maria Antonieta ou rainha Vitória, e brinca com motivos de porcelana em cintos e corselets, que mistura a peças de jeans e moletom, com direito a corações aplicados e foto de labrador.

A Triton também recorre ao universo infantil e faz um desfile praticamente monocromático apostando num tom do inverno: o rosê. Sua cliente é uma lolita sapeca e romântica, que adora franzidos e babadinhos, de preferência numa sainha bem curta ou nos decotes de alcinha arrematados com pompom. Até os bodys de lycra e o jeans ficam românticos, com estampa ou aplicação de tulipas.

Fause Haten criou um ambiente de alta-costura em sua sala, decorada com rosas colombianas brancas. Ele usa melhor no feminino sua versão noite dos uniformes militares. Preto e branco predominam, com um pouco de amarelo. Flores gigantes arrematam golas de paletós e camisetas. O cetim vem em peças inteiras ou apenas em babados e lacinhos de vestidos e casacos de veludo, lã ou vinil, mostrando que o foco do estilista é mesmo o mercado de luxo.

Gisele

Passou o trauma de Gisele Bündchen. Depois de anunciar que não queria mais desfilar nas temporadas de prêt-à-porter, a gaúcha Gisele volta ao circuito internacional dia 13 durante a 7th on 6th, a semana de moda de Nova York que, aliás, é propriedade de sua agência, a IMG. Vai prestigiar a estréia nos Estados Unidos da grife Balenciaga – que foi comprada recentemente pelo grupo Gucci e voltou a ser referência fashion desde que passou a ser desenhada por Nicolas Ghesquière – e vai fotografar um editorial especial para a revista inglesa “The Face“.

No final do mês ela viaja para Milão onde, além de desfilar para seus “padrinhos da moda”, a dupla Dolce & Gabbana, deve fazer também Missoni e Versace. Dali, segue finalmente para Paris onde pensa em voltar à passarela de Christian Dior, para quem ela estrela a campanha de publicidade. Gisele também pode ser vista nas campanhas da Victoria’s Secret, cujo contrato vai até 2005, Bulgari e Dolce & Gabbana.

Mas antes de voltar a brilhar com seu andar único, em X, que cruza pé diante de pé, a ubermodel vai aproveitar um único dia da folia de Carnaval nas ruas de Salvador. Afinal, já está 99% certa a renovação de seu contrato com a C&A que, numa pesquisa de mercado, comprovou o que todo mundo já sabia: ela é a única modelo conhecida por 98% dos brasileiros.

Mercado

Esta edição da São Paulo Fashion Week marca um momento delicado para a moda brasileira por dois motivos. Primeiro, dentro do contexto de globalização, sofre as conseqüências econômicas e psicológicas da crise provocada pelos atentados terroristas. Não é por outra razão que roupas com cara envelhecida, desgastada ou suja são tendência (nem pense em sair tinindo como ouro), assim como babados românticos e um pouco da austeridade vitoriana.

Segundo porque, olhando o próprio Brasil, a crise interna continua ao mesmo tempo em que passou a euforia inicial dos estrangeiros causada pelo fenômeno Gisele Bündchen – que, num efeito dominó, estabeleceu uma estética sexy, tão bem representada pelas modelos brasileiras, e despertou curiosidade internacional sobre o País. Jornalistas e compradores vieram para cá ansiosos por descobrir tudo de bom: da moda feita pelos estilistas ao Carnaval e à caipirinha. Seduzidos pelo que encontraram, eles abriram espaço para nós na mídia internacional e o Brasil virou objeto de desejo.

Passada a inércia inicial, chegou o momento de apostar sério e mostrar que a imagem não só é bela como também tem consistência e conceito. Ou seja, no inverno 2002 o desafio da moda brasileira é melhorar sua perfomance para se estabelecer de fato no circuito internacional. Com roupa, sem oba oba.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

Tags:                                                                                                                                                          

Compartilhar