SPFW outono-inverno 2001 é todo anos 80

30.01.2001

Anos 80. Esta é a senha para entender o primeiro inverno do novo milênio que começa hoje no prédio da Fundação Bienal com o lançamento das coleções na São Paulo Fashion Week (antigo MorumbiFashion Brasil) – desde já candidata ao quinto maior evento de moda internacional, atrás apenas dos principais pólos lançadores como Paris, Milão, Londres e NY. Serão 24 desfiles até dia 5, sendo quatro de coleções masculinas e três de novos participantes: o mineiro Ronaldo Fraga e a paulista Carlota Joaquina, que migraram do evento Semana de Moda, e a argentina Trosman Churba.

Os 3 estréiam com a expectativa de ampliar a visibilidade da marca, aproveitando a forte mídia gerada pelo evento, e aumentar sua participação no mercado nacional. “Claro que é bacana vender lá fora, mas primeiro temos que nos estabelecer aqui”, diz Carla Fincato, 36, estilista da Carlota Joaquina, marca que possui 84 pontos de venda no país.

Fraga tem a mesma ponderação. Depois de passar por um tumultuado ano que incluiu ruptura de sociedade, ele chega à SPFW com uma estruturação mais forte de sua marca e disposto a trabalhar as vendas no atacado (política que seu ex-sócio não partilhava). Hoje são 6 pontos de venda e ele pretende chegar a 20 com esta coleção. Seu desfile, com trilha em ídiche, conta a história de um romance entre Rute e Salomão, que vivem em Mea Sharim, um bairro de Jerusalém. A referência, avisa, não tem nada a ver com o conflito palestino: “O conflito é outro”, diz. “De repente, constatamos que somos todos do século passado e alguns querem escapar a qualquer custo desta tradição perseguindo a modernidade. Eu tenho preguiça de ser moderno – quero ser apenas contemporâneo”.

Enquanto Fraga busca inspiração no judaísmo, a M. Officer prefere o candomblé. E promete realizar uma autêntica cerimônia de candomblé durante o desfile que será realizado hoje à tarde com a presença da mãe-de-santo Zezé, da Bahia, e música ao vivo de Carlinhos Brown.

A Ellus, que desfila no último horário de hoje, amplia o universo escolar da pré-coleção lançada no final do ano. O título “School Days” vira “School Glam“. “A coleção vem mais sofisticada, é pós-escola, é a menina que vai a festas e quer boas roupas”, afirma Nelson Alvarenga, dono da grife. A atração da Ellus está na parceria com o músico e poeta Arnaldo Antunes, que participa da trilha do desfile e criou dez poemas que estarão estampados em 67 peças da coleção. Um desses poemas (“hentre hos hanimais hestranhos heu hescolho hos humanos”) aparece escrito sobre o corpo de um modelo, tipo o filme “The Pillow Book“, em fotografia do jovem Rafael Assef, e estará colado em 12 megapainéis da cidade. Mas o da av. Paulista teve que ser cortado em 15 cm na área pubiana porque o condomínio do prédio onde fica o outdoor considerou a imagem “pornográfica“.

O desfile da Forum, além da coleção em si inspirada no cangaço, deve ter no cenário uma atração à parte. A boca de cena é inspirada no livro de fachadas do nordeste da fotógrafa Ana Mariani. As modelos saem pela porta das casas direto para a passarela. Já a G de Glória Coelho promete momentos mágicos com sua coleção inspirada em Harry Potter.

Muitas das modelos brasileiras que usufruem hoje de fama internacional não vão estar presentes, pelo menos nos dois primeiros dias. Já nossa Gisele Bündchen não vem mesmo – para vê-la agora só no Carnaval. Thalyta (que está na atual campanha da Ellus) e Raica (atual garota do perfume Forum) vêm apenas para desfilar para a M. Officer e fotografar a nova campanha, que será clicada pelo francês Michel Comte num estúdio em SP. Mas como somos pródigos em beleza, não faltarão modelos incríveis como Caroline Ribeiro, Ana Cláudia, Mariana Weickert, Ana Beatriz e muitas outras que, apesar do sucesso internacional, não abrem mão de desfilar aqui, onde afinal aprenderam tudo o que sabem.

Datas da SPFW geram polêmica

Hoje os desfiles de São Paulo “abrem” a chamada temporada internacional do próximo inverno. Mas há quem reivindique mais antecedência no calendário. “O ideal seria lançarmos o inverno em novembro, logo depois do lançamento de verão de Paris, que acontece em outubro”, afirma Nelson Alvarenga, proprietário da Ellus. Assim, as marcas brasileiras teriam o tempo necessário para colocar em produção apenas as peças que foram compradas por seus clientes, evitando perdas de estoques às vezes catastróficas. “Isso seria muito cômodo para a empresa, mas hoje não temos mercado nem clientes capazes de comprar o inverno em novembro – seria muito precipitado e até pretensioso”, rebate Renato Kherlakian, proprietário da Zoomp e da Zapping. “Além disso a indústria têxtil não está preparada para esta antecipação”.

Segundo Alvarenga, há cerca de 3 anos mudou o perfil do mercado. “A coleção fashion tem um peso grande na produção. Antes 70% das peças eram commodities, ou seja, jeans e peças básicas. Há uma conscientização fashion muito maior hoje por parte do consumidor e, como a moda é muito volátil, uma aposta que não se confirma como tendência forte da estação põe toda uma pré-produção a perder”, afirma. Tufi Duek, das marcas Forum e Triton, concorda: “Em termos industriais e financeiros, a data atual atrapalha muito a empresa. Começamos a produzir a coleção antes de vendê-la e é comum sobrar muito da peça X e faltar da peça Y.”

Hoje o mercado internacional trabalha com um intervalo de quatro meses entre lançamento/produção e entrega da mercadoria nas lojas e supre as necessidades funcionais lançando a chamada pré-coleção, enquanto no Brasil os participantes da SPFW, que influenciam toda a moda nacional, têm no máximo dois meses para entregar seu produto. Ou seja, o mais sensato seria o mercado nacional trabalhar com pré-coleções.

Alvarenga arriscou o primeiro passo em sua batalha pela antecipação quando lançou sua coleção de inverno em 30 de novembro para apenas 50 editores de moda do país. “Não havia lojistas, mas só o fato de organizar melhor a coleção já nos ajudou na pré-produção e nas apostas fashion para a SPFW”, diz.

Mas para mudar a data do evento é preciso conquistar os votos da maioria dos participantes da SPFW. Cada um tem direito a um voto. “O que acaba sendo injusto, como toda a democracia, porque o voto de uma grande empresa não pode ter o mesmo peso de uma empresa pequena como a do Walter Rodrigues, que vende basicamente para o consumidor final”, acredita Alvarenga. “O evento respeita a data escolhida pelos participantes”, diz Paulo Borges, diretor artístico da SPFW. “Para antecipá-lo é preciso mexer numa estrutura muito mais ampla, que começa lá atrás, na fiação e tintura. Tudo é possível, basta haver a concordância da maioria”.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

Tags:                                                                                    

Compartilhar