Escapismo: é a Semana de Moda de Paris primavera-verão 2002

17.10.2001

Paris – A temporada de desfiles de prêt-à-porter primavera-verão 2002 terminou com um inusitado calor em pleno outono parisiense, aproximando as novidades das passarelas do clima quente das ruas. Até os franceses, famosos pela pouca cordialidade com que tratam os turistas, estavam mais afáveis, ou seja, mais uma vez a moda soube captar e expressar valores ainda latentes. Paz, amor, inocência, otimismo e escapismo são palavras de ordem para amanhã que já estão no ar hoje. Vale uma pitada camponesa, uma gota de folk e um toque cigano. Muitos estilistas baniram do desfile referências explícitas à onda militar da última temporada. Por isso, foi surpreendente o corner da badalada butique Colette, a mais hypada da cidade, que no meio da semana resolveu expor todo seu estoque de camuflados, despertando a indignação de muitos clientes. Nas passarelas, se deu bem quem cultivou um clima mais ameno e suave, que torne a vida mais fácil de ser levada. Uma coisa entre o neo-hippie e o new-bohemian.

Então, é preciso muita sensibilidade para convencer uma platéia exigente de que um look pós-guerra pode ter sua poesia. E até quando Hussein Chalayan resolve destruir tudo, ele o faz com poesia. Cipriota de origem turca, Chalayan se consagrou em Londres com apresentações memoráveis como a da saia-mesa ou a das mulheres muçulmanas. Falido, ficou uma temporada fora do circuito e agora volta estreando com seu nome em Paris e com um contrato para a Asprey & Garrard, tradicional grife de luxo britânica, para a qual ele lançará sua primeira coleção no ano que vem. A tocante execução de “Mishima“, de Phillip Glass, pelo Ensemble Musique Nouvelle, deu ainda mais emoção ao desfile, e uma sensação do fogo consumindo tudo, manchando tecidos, destruindo vestidos, sobrepondo peças detonadas mas sempre impecáveis, nas cores e nas construções. Nos pés, alpargatas. E no rosto, maquiagem com manchas camufladas em tons de pele. Mas Chalayan declarou que tudo estava preparado antes da queda das torres e que, na verdade, seu intuito era tratar do medo e da insegurança que já afligiam as pessoas. A modelo brasileira Marcelle Bittar, nome forte da temporada, desfilou deslumbrante com o vestido azul entre os totens de acrílico transparente que pontuavam a passarela.

Dois desfiles causaram polêmica por motivos diversos. O primeiro foi o da marca Christian Dior. Sob criação do inglês John Galliano, a Dior apresentou uma coleção chamada Street Chic que não foi bem recebida pela respeitada crítica de moda Suzy Menkes, do “International Herald Tribune“. Por causa da crítica, Suzy foi informada que não seria bem vinda aos desfiles do grupo LVMH, que é o maior conglomerado de luxo do mundo e detém marcas como Louis Vuitton, Givenchy, Kenzo, Lacroix e o próprio Galliano. A notícia teve efeito bomba no mercado. O comentário geral era de solidariedade à crítica e ao seu papel, e de estranhamento diante da reação autoritária vinda supostamente do próprio Bernard Arnault, presidente do grupo LVMH. Mas 48 horas depois, os envolvidos se entenderam a tempo de Suzy voltar a ocupar seu lugar na primeira fila do desfile da Louis Vuitton. Desenhada com sucesso pelo americano Marc Jacobs, a Vuitton fez um trabalho incrível com o jeans feito a mão e mostrou uma imagem delicada do couro de cobra. Um hippie completamente chic.

Voltando a Dior, a coleção tem de fato um ar agressivo, como observou Suzy, mas dá continuidade à evolução da imagem jovem que a marca tem conquistado pós-Galliano. A estampa Souvenirs de Viagem resume bem o espírito: Galliano faz uma volta ao mundo no guarda-roupa primavera-verão 2002. Vai de motivos mexicanos à saruels do Saara, passa por cassinos de Las Vegas e pelas listras esportivas da Adidas, resvala no hip hop e homenageia Elvis Presley. Depois das camisetas J’Adore Dior (eu adoro Dior), ele assume logo o vício: Dior Addict. Ele também trabalha o couro de cobra, como o da calça metalizada, mas é na sua própria marca que aparece a melhor versão, a dos losangos Argyle estampados em terninhos.

Stella McCartney, filha do beatle Paul que sempre acompanha cada passo de sua passarela, estreou com sua própria grife depois de ter rejuvenescido com sucesso a grife Chloé. Associada ao grupo Gucci, Stella estampou em letras garrafais gírias cockney (inglês das classes trabalhadoras da região leste de Londres) e acabou sendo acusada de cópia pela grife Slang (gíria, em inglês), que usou os mesmos recursos em sua coleção de verão deste ano e tem entre seus clientes nomes pop como Mel B, ex-Spice Girls. Mas o verdadeiro problema de Stella não está na estampa cockney e sim na ausência de sutileza, no refinamento que distingue uma mulher sexy de uma prostituta.

Mas a Gucci teve seu momento de glória com o desfile assinado por Tom Ford para a grife de prêt-à-porter Yves Saint Laurent, a Rive Gauche. Se o look cigana da temporada passada foi reproduzido em toda parte mundo afora, o espírito rainha da selva de pedra desta temporada promete a mesma façanha. Fluida e sexy, a nova mulher YSL recupera a fase safári dos arquivos do mestre Saint Laurent, em cabans de seda e caftans de musseline com estampa de leopardo, misturando um pouco de corselets, maiôs assimétricos engana-papai e uma incrível saia trançada de seda.

Tranças e franjas, aliás, são indispensáveis na próxima temporada. Saem de artigos de decoração – dá-lhe redes do Nordeste – para virar must-have fashion. A dupla Suzanne Clements e Inácio Ribeiro, da Clements Ribeiro, trabalhou muito bem esta imagem e suas sandálias e bolsas franjadas devem fazer a alegria dos editoriais de moda das melhores revistas do planeta. Inácio, que é brasileiro radicado em Londres, tem faro apurado para o espírito da estação. Suas borboletas – e as da Vuitton também – e suas sedas marmorizadas evocam o glamour de Saint Tropez e o hippismo da Swinging London.

A Chanel veio mais jovem e, como sempre, muito chic. O frescor da passarela parece conseqüência direta do novo lay-out de seu estilista, Karl Lagerfeld, que emagreceu 28 kg em nove meses e desfilou seu corpinho de ex-bailarino – mais comentado do que o de qualquer top model – pela passarela em “S” ao lado do casting de 65 modelos. A mulher Chanel da próxima estação veste tanto uma jaqueta de couro de motoqueiro num suave tom de azul quanto vaporosos modelos em preto e branco, com falsas túnicas sobrepostas, e muitas correntes e pérolas, inclusive nos sapatos.

Lilian Pacce para o Estado de S.Paulo

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