Filmes inspiram coleção rococó-tech de Glória Coelho

30.01.2002

O melhor desfile do 1º dia feminino da São Paulo Fashion Week – e forte candidato ao da temporada que termina amanhã no prédio da Bienal – foi o da estilista Gloria Coelho. Cinéfila apaixonada, Gloria faz uma colagem de seus filmes preferidos para o outono-inverno 2002. Os camisões brancos franzidos, que consomem 3 metros de algodão, saíram de “Entrevista com o Vampiro”. Sobre eles, vêm faixas-cintos ou pequenos casacos acinturados moldando o corpo com graça e elegância. Os jabôs e as calças justas, que alongam a perna, são tomados dos meninos de “Laranja Mecânica”, enquanto os modelos mais streetwear, com faixas amarradas, vêm da heroína virtual Laura Croft. O resultado final, segundo Gloria, é um mix de “Orlando” com a banda virtual Gorillaz e o artesanato escandinavo – um rococó-tech.

Sobre esta base street, Gloria propõe saias com quatros pregas triplas que, de tão pesadas, são seguradas internamente por um cinto. “São roupas versáteis com tecidos de alta tecnologia, que aguentam desde a caminhada matinal até a festa à noite – basta acrescentar uma peça”, diz Gloria em entrevista exclusiva ao Estado. Casacos 4-em-1 mostram um profundo estudo de zíperes, que criam faixa removíveis. Ou seja, de um casaco até o joelho pode-se fazer blazer, jaqueta, saia, compondo até um tailleur hi-tech. Laços e bordados arrematam os sapatos de sola medieval e também as meias ¾ usadas com novas corsários. O bordado consome 2.500 cristais e metais minúsculos por par de sapato.

No backstage, Gloria mostrava seu painel com referências de quadros do século 18 para as modelos. Dessas imagens do período de Luís 15, cada uma delas escolheu a atitude que tomaria diante dos fotógrafos, dando ao desfile um caráter ainda mais nobre.

Gloria Coelho veio para São Paulo aos 9 anos, depois de estudar num internato em Ilhéus, na Bahia. Aos 13 ela já fazia roupas com as amigas. “Eu acabava criando sempre tubinhos com gola rolê, bem anos 60”, conta. Estudou com artistas plásticos como Luiz Paulo Baravelli e José Rezende no Instituto de Arte e Decoração e tinha o apelido de Salim: “Vendia minhas camisetas lá e já negociava bem”. Seu 1º grande negócio foram camisetas-fralda com estampa de pijaminha de bebê: “Elas fizeram tanto sucesso que em três meses pude comprar um carro”.

Sua grife G, hoje Gloria Coelho, surgiu há 31 anos e é comercializada em 4 lojas em São Paulo, mais de 100 pontos no Brasil e 7 no exterior, em países como França, Itália, Líbano e Kuait. “Descobri que as mulheres árabes que são sustentadas pelos maridos gostam de ostentar, enquanto as que trabalham são como nós: mal têm tempo de pentear o cabelo e querem roupas práticas, que não amassam”, conta. Mas os modelos para o mercado árabe têm que ser adaptados: precisam ser mais compridos e ter a costura de acabamento (apesar de a tendência ser a roupa cortado no fio).

A segunda marca de Glória Coelho é a Carlota Joaquina, desenhada pela estilista Carla Fincato. Voltada para uma cliente mais jovem, com preços mais acessíveis, a Carlota acaba de se mudar para um show-room próprio, longe da “mãe”. O desfile de sua nova coleção é amanhã, fechando a São Paulo Fashion Week, evento que lança o outono-inverno de 21 estilistas e é aberto apenas a convidados.

Jeans com cara envelhecida já é hit do inverno

São as coleções femininas que mais agitam o mercado. Mercado de roupas, de modelos, de beleza, enfim, tudo o que gravita em torno da moda, uma indústria que movimenta no Brasil US$ 22 bilhões por ano, sendo a 2ª maior empregadora do país. E o 1º dia feminino da São Paulo Fashion Week teve um saudável combate de titãs, com 3 grandes marcas de jeanswear desfilando seus looks para o próximo outono-inverno: Zoomp, M. Officer e Ellus. Embora todas invistam numa imagem de prêt-à-porter, o melhor dessas passarelas ficou exatamente no jeans nosso de cada dia.

A Ellus, aliás, é a que melhor explora seu slogan “jeans de luxe”. A passarela de feno com arbustos suspensos de flores de papel vermelho traz meninas com botas jeans sete léguas usadas com microvestido de tricô com lavagem jeans, short jeans com legging paetada, trench-coat longo (com as mangas pra dentro, como uma falsa pelerine num bom truque de styling). Mas tem também a própria pelerine curta ou um ótimo poncho de jeans, com rico bordado de pedraria. Para compor com tanto jeans, valem peças de veludo cotelê largo ou couro marrom, envelhecido ou com desenhos em relevo.

A Zoomp desenvolve um ótimo jeans com cara de banho de lama: em vestidos acinturados, jaquetinhas, calças em A (ótimo o modelo abotoado na lateral) e até no tricô rústico. “Dentro da Zoomp, chamamos essas peças de jeans Nescau”, conta Renato Kherlakhian, proprietário da marca. Mas a proposta de uma coleção que enaltece os prazeres da conquista da caça com a sedução da mulher pássaro não se sustenta com as estampas no jérsei.

M. Officer parecia anunciar mais um vez festival pirotécnico de sincretismos ao batizar seu desfile de Mestiçagem. Mas para alívio dos fashionistas brasileiros, a passarela era limpa, no chão, sem nenhum dos inúmeros recursos cênicos que caracterizam as performances de Carlos Miele na passarela para dar mais apelo ao seu produto. No cabelo, trança afro de raiz para todas as meninas – incluindo as 4 modelos eleitas para sua próxima campanha: Caroline Ribeiro, Suyane, Ana Bela e Daniela Lopes. O jeans é a base dos primeiros looks em calças bem justas usadas com tops de búzios ou casaquinhos de fuxico do próprio jeans – uma idéia artesanal que ele tem trabalhado em parceria com a Coopa-Roca, a Cooperativa das Costureiras da favela da Rocinha, no Rio. Mas o jeans também pode ter a cara da estação, ou seja, gasto, sujo e envelhecido, tanto nos tons de oliva empoeirado quanto no novo blue jeans (que é amarronzado) com franjinhas desfiadas.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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