Escape, mas com roupa de guerra: dia 1 da Casa de Criadores

27.11.2018

A Casa de Criadores chega em sua 44ª edição – que fôlego! – e, como já era de se esperar, a conversa no backstage e na fila A gira em torno do futuro perante o discurso ultraconservador que acabou eleito pros próximos 4 anos de governo. O evento sempre foi um espaço de bastante experimentação com discurso livre, às vezes engajado, sempre criativo e invariavelmente questionador. Como as marcas participantes são de perfil independente e autoral, elas têm mais liberdade de expressão sem amarras de mercado, sem receio de não agradar uma parcela de clientes. Complica a situação o fato da edição anterior do evento ter acontecido muito próxima dessa, no fim de julho – além de energia criativa, haja dinheiro pra conseguir colocar mais um desfile de pé em poucos meses. Existem patrocinadores – que bom! – que conseguem ver que esse terreno é fértil e precisa de incentivo, e a esperança é que eles sigam nesse caminho a partir de 2019.

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É o caso da Nanete Têxtil, apoiadora do ótimo desfile de Weider Silveiro que abriu o evento. Weider explica que sua nova coleção tem um lado escapista, mas não deixa de ser um protesto. Ele busca no ícone Leigh Bowery, com seu styling desafiador das convenções, um antídoto contra a caretice. E encontra: na mistura dos xadrezes, floral Liberty e camuflados; no make abusado bem de acordo com Leigh; nos elementos sadomasô contrabalanceados nos looks superfechados, ultracobertos. É uma vontade do estilo londrino, com sua excentricidade

Assim como a estampa camuflada remete à guerra, em Felipe Fanaia também pintam elementos do militarismo: dragonas, quepes. Resistência: é o exército dos Ursinhos Carinhosos com looks monocromáticos que formam um arco-íris no conjunto, patches que trazem símbolos da barriguinha dos personagens e um casting inteiramente LGBT, com direito a Mulher Pepita e Romagaga. Na moda em si, Fanaia se mantém na sua zona de conforto com o seu amado oversize e o justo da lycra contrapondo. É uma coleção de continuidade, sem grandes surpresas, mas que deve agradar bastante os clientes que ele já tem.

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E a estreia da Von Trapp? Com uma apresentação um tanto hermética, o estilista Marcelo von Trapp usa de simbologias, principalmente do filmeThe Holy Mountain” de 1973, assim se aproximando de um universo mais cult. Cristais, espelhos, referências aos elementos terra, fogo, água e ar; algo como um holístico chic. A roupa é boa, bem feita, com destaque pra alfaiataria precisa, mas o excesso de conceito acabou deixando a moda em segundo plano. Foi instigante e estimulante assistir à apresentação? Sim! A reflexão que fica é sobre o formato performático nesse contexto: uma escolha que cabe dentro da proposta da CdC, mas costuma funcionar melhor quando se aproxima do público do evento, mais jovem e pop.

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Por fim, teve outra estreia: Jorge Feitosa! Ele parte da história da sua cidade, Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco, que passou a ter a confecção como atividade econômica principal no lugar da agricultura com a hoje tradicional Feira da Sulanca, originalmente de barracas que vendiam peças feitas com retalhos de helanca. Não que ele use o tecido aqui, mas é uma coleção emocional que resgata suas raízes e tem momentos felizes na sua atualização do patchwork. Tudo a ver com sustentabilidade no aproveitamento de resíduo têxtil. Olho nele! E confira fotos dos desfiles na galeria! (Jorge Wakabara)

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