A temporada de desfiles pós-atentado

01.10.2001

Sexta-feira começam os lançamentos de prêt-à-porter de Paris, que mantém seu posto de capital da moda. O evento, que concentra mais de cem desfiles dos principais criadores do mundo, deve expressar de fato os efeitos que a tragédia pode ter no mercado do luxo. O principal deles já se sabe. Cerca de 30 compradores das mais importantes lojas americanas, como a Saks, Barneys e Bergdorf Goodman, decidiram não atravessar o Atlântico nesse momento tão vulnerável. A cobertura da imprensa internacional também está comprometida e os hotéis, pasme, têm até vaga nesta época do ano.

A expectativa da temporada é grande em todos os sentidos. Como os estilistas esperam ver este “novo mundo” vestido a partir de março de 2002? Como as grifes planejam capitalizar seus investimentos tanto na mídia quanto em vendas? Qual será o retorno real do circo da moda nesse clima instável e pessimista? O prefeito de Paris quer manter a chama da cidade luz acesa e vai promover durante a semana de prêt-à-porter uma festa para 2 mil pessoas – provavelmente a única da temporada.

A Gucci avisou semana passada que seus lucros subiram 7,6% no último ano, o que representa um lucro líquido de US$ 83 milhões, mas a previsão para o próximo ano não é nada otimista. Mais do que uma grife bem-sucedida, Gucci hoje é um poderoso grupo de luxo, que tem sob seu guarda-chuva marcas como Yves Saint Laurent Rive Gauche, Balenciaga, Sergio Rossi, Alexander McQueen e Stella McCartney. Aliás os desfiles de McQueen e McCartney em Paris, agora sob nova gestão, estão sendo chamados de “a estréia dos Big Mcs”. Stella é filha do Beatle Paul McCartney e assinou a coleção da grife francesa Chloé nos últimos anos, até que aceitou a proposta de sociedade com o grupo Gucci, de seu amigo Tom Ford. A assistente de Stella, Phoebe Philo, é a nova estilista da Chloé, que desfila dia 10, enquanto Stella estréia segunda-feira.

Acostumado a desfilar sua própria grife em Londres, o inglês McQueen se apresenta em carreira solo pela primeira vez em Paris, no sábado à tarde. McQueen rompeu com a marca Givenchy, do grupo LVMH, para se associar ao grupo Gucci. Em seu lugar na Givenchy, estréia Julien MacDonald, também britânico. Será sua primeira coleção de prêt-à-porter.

Já a esperada volta de Helmut Lang a Paris não vai mais acontecer. Desde que se mudou de Viena para Nova York em 98, Lang transferiu seu desfile para lá e pela primeira vez queria voltar a Paris, abrindo os desfiles de sábado. “Vou sentir falta de meus amigos da imprensa internacional em Paris, mas estou certo de que todos entenderão que eu tenho que estar em Nova York agora”, avisou Lang em comunicado à imprensa. Além dele, houve poucos cancelamentos como o da Lanvin (agora sem Cristina Ortiz), Cerruti e Féraud, mas o motivo alegado foi a reestruturação dessas marcas. Já a Clements Ribeiro, do brasileiro Inácio Ribeiro e da inglesa Suzanne Clements, acabou transferindo seu desfile de Londres para Paris, aproveitando que também estarão mostrando a nova coleção que assinam para a Cacharel.

Outro cancelamento foi da marca espanhola Loewe, que pertence ao grupo LVMH (o maior conglomerado do luxo no mundo). Ela acaba de dispensar Narciso Rodriguez, que era o estilista preferido de Carolyne Bessette-Kennedy. Em seu lugar, vai entrar José Enrique Ona Selfa, que assinou um contrato de três anos e apresenta sua primeira coleção para a Loewe em março próximo. Ona Selfa é belga de origem espanhola, tem 26 anos e, dizem, tem em Karl Lagerfeld um grande admirador.

A moda pós-atentado

O mundo da moda não é mais o mesmo depois dos atentados terroristas nos Estados Unidos. Além do fato trágico por si só, o atentado aconteceu justamente durante a Semana de Moda de NY, a 7th on 6th, que obviamente foi interrompida deixando quase 50 estilistas sem o desfile que haviam planejado, entre eles, o brasileiro Amir Slama, da grife Rosa Chá. O custo médio de um desfile em Nova York é de 150 mil dólares, mas agora uma produtora se dispõe a organizar um evento na Times Square no final de outubro, cobrando cerca de US$ 10 mil pelo espaço, a fim de minimizar o prejuízo das grifes.

Em seguida a Nova York, veio a temporada primavera-verão 2002 de Londres, que teve vários cancelamentos de grifes importantes como Burberry, Clements Ribeiro e Paul Smith, mas marcou a estréia de Carlos Miele, da M. Officer, nas passarelas internacionais. Suzy Menkes, uma das mais respeitadas críticas de moda do mundo, disse que Miele é um “aspirante a Versace cuja sexualidade escancarada parece fora de sincronia com a tendência de inocência” que está se firmando nesta temporada. Já a “Vogue” inglesa disse que os jeans com plumas são “horrivelmente reminescentes do estilo Gucci que Tara P-T aposentou dois anos atrás.”

A inocência, aliás, é uma reação ao militarismo e aos camuflados da temporada passada – um espírito bélico que a moda prefere evitar, tanto que nos Estados Unidos essas roupas sumiram das prateleiras e dos desfiles. A estilista inglesa Katherine Hamnett, conhecida por suas camisetas-protesto, não desfilou mas foi rápida no gatilho (ops!) e está lançando três versões de camiseta: “No War”, “Women Agaisnt War” e “Life is Sacred”. Já a segunda grife da Dolce & Gabbana, a D&G, mantém seu approach com a cultura americana. A bandeira americana que aparece nesta estação será substituída por camisetas com a inscrição “I Love New York” na próxima estação.

Na temporada de Milão, que acaba sexta-feira (4 de outubro), nossa Gisele Bündchen continua fiel à Dolce & Gabbana, da dupla de estilistas sicilianos, que é a única grife para quem ela desfila lá fora. “Eles são meus padrinhos fashion”, diz Gisele. Ela abriu e fechou o desfile usando um enorme brinco de ouro com a letra G (Gisele/Gabbana) tanto com o corselet preto com rendas, quanto no look mais casual de camisa transpassada laranja e calça listrada multicolorida, ou ainda com o vestido de chifom magenta tomara-que-caia sobre sutiã rendado preto.

A Prada aposta em brocados de efeito étnico, misturando ouro e prata em calças, vestidos e pijamas, com estampas tipo vintage e cardigãs de cashmere bege. O sapato é tipo Sabrina, de salto alto ou saltinho, afivelado na frente e, em vez de ser aberto atrás, é vazado nas laterais. Na Miu Miu, sua segunda marca, o espírito étnico também é forte e transita entre o Marrocos e as camponesas. A cintura sobe e as bainhas descem, em saiões cheios. Tons de bege e pele se misturam no mesmo look e o desfile acaba em preto. As sandálias têm vertiginosas plataformas de madeira.

Já a Gucci vem mais casual, com calças ultra-largas amarradas por tiras do próprio tecido criando um efeito baggy mais associado à cultura hip hop do que àquele baggy explorado nos anos 80. A coleção de Tom Ford, o diretor criativo da marca italiana, vem com chamois, algodão e cetim em tons neutros e preto. As sandálias presas no tornozelo têm salto stiletto de metal com pequena plataforma recuada, como se a sandália quisesse flutuar. O make é bronzeado com boca nada e óculos de aviador laranja bem grande. O espírito paz e amor que sussura em cada um de nós vem nos corações recortados em mangas e camisetas.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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