Segundo o Geledés – Instituto da Mulher Negra, de 2003 a 2013 a morte de mulheres brancas por violência diminuiu 10%, mas a morte de mulheres negras aumentou 54% em todo o país. Novembro, aliás, conta com a campanha Novembro Negro, pela conscientização e combate ao racismo, e em 2017 entidades se organizam em torno da hashtag #NegrasRepresentam, homenageando e divulgando histórias de mulheres negras que mudam a realidade social do Brasil com as suas ações. No momento em que esse texto foi escrito, a gente ainda aguarda o posicionamento da Rede Globo a respeito do jornalista William Waack, flagrado em vídeo vazado fazendo uma declaração racista – por enquanto, apenas afastado e não demitido de seu cargo.
Ao mesmo tempo Isaac Silva, um dos poucos estilistas negros brasileiros a fazer parte de um evento de moda de porte por aqui (e que só por isso já é parte de uma resistência política), está cada vez mais inserido em um movimento de moda afrobrasileira: “Tenho viajado muito, principalmente nesse ano. Convidam pra desfilar, pra dar palestra sobre o assunto, e os eventos são lindos, uma troca de energia e experiências, trabalhos incríveis. O que lá fora já acontece, como você pode ver com Stella Jean [na Semana de Moda de Milão], com o afropunk, também está começando por aqui, comigo, com o Apolinário [da Cemfreio] e outros”, ele explica. Agora é a primeira vez que Isaac usa tecidos africanos – os estampados vieram de Dakar.
Acima de tudo, esse é o desfile mais político da carreira de Isaac. Começa com a poeta-slammer Mel Duarte declamando uma poesia; segue com a escritora feminista Stephanie Ribeiro se perguntando por que, quando ela é entrevistada, as perguntas sempre incorrem em assuntos como apropriação cultural e nunca tocam no tema do número de negros mortos ser comprovadamente maior que o número de brancos mortos segundo as estatísticas; recebe Michelle Fernandes, da Boutique de Krioula, fazendo um turbante em Stephanie no meio da passarela e explicando que ele é a coroa da mulher negra; e finalmente chega na entrada do próprio Apolinário, que discursou sobre a quantidade de mulher branca muito maior que a de negras na moda e fez todo mundo levantar com sua oratória (todo mundo mesmo, salvo um homem branco na segunda fila que ninguém entendeu porque não quis fazer o esforço de esticar as canelas…) pra aplaudir e exaltar a mulher negra de pé.
A coleção em si é a melhor que Isaac já mostrou na CdC. Ele segue com sua malharia (branco com dourado em belo conjunto com os acessórios de Marcio Krakhecke, e que fica especialmente lindo em negras); arruma parceria com a Mary Jane Shoes (marca de tênis de skate exclusiva pra meninas que usou os tecidos de Dakar pra colab); traz também o jeans que fez sucesso na temporada passada na parceria com Magá Moura; e, falando nela mesma, ainda dá uma ajuda no corre da amiga apresentando as mochilas e pochetes Glitch + Magá Moura, que começam a ser vendidas em breve. O fim é de arrepiar: entra Loo Nascimento radiante, movimentando as mãos de maneira muito bela, pra depois fechar a direita erguida, poder à mulher preta. Axé! (Jorge Wakabara)