Shirley Mallmann é estrela da Chanel

24.08.1998

Estrela da nova campanha do perfume Allure, da Chanel, a bem-sucedida modelo brasileira está feliz porque voltou a ser o que era antes de se revelar para o mundo da moda internacional. “Pela primeira vez desde que virei modelo estou sendo eu mesma”, afirma Shirley Mallmann, 21 anos. A razão da mudança tem nome: Zaiya, um cabeleireiro filho de pai burmês e mãe alemã, com quem namora há seis meses. “Ele é aberto, tem uma vida muito parecida com a minha e deixa eu me vestir como eu quiser, assim, meio doidinha, do jeito que eu era antes.” É verdade. Durante esta entrevista, Shirley usava um vestido vermelho do belga Dries Van Noten, seu estilista preferido, num look hippie-chic que, mesmo antes de virar tendência para o verão, já agradava a ela e às colegas supermodelos, loucas por um achado em brechó.

Apesar de o pai achar que ela parece uma cartomante vestida desse jeito, o look lhe cai bem e contrasta com as roupas mais sisudas que costumava usar, como calças e camisas clássicas. “Tentava me adaptar ao namorado, me sentia culpada por estar sempre viajando a trabalho e compensava a culpa tentando agradar ao máximo – todo mundo precisa dar suas cabeçadas para aprender; agora ele gosta de mim do jeito que eu sou”, acredita.

Até o semblante de Shirley revela traços de felicidade explícita. “Este namoro me dá uma sensação de liberdade que há muito tempo eu não tinha”, conta, negando os rumores de que a relação já estaria no fim. Durante quatro dias, ela esteve em São Paulo fotografando com André Schiliró o catálogo e a campanha publicitária da M. Officer, que a tem como garota-propaganda há cinco estações. Sempre disposta, deu dezenas de entrevistas e autógrafos e fez mais de 200 fotos com 24 looks diferentes. Sua maior realização, entretanto, foi propiciar a primeira viagem de avião aos pais, que vieram de Santa Clara do Sul para ver a filha que há seis meses não visitava o país.

Shirley gosta de vir ao Brasil. Pretende ter um negócio próprio aqui quando a carreira de top acabar. “Tenho sorte de estar há quase três anos num mercado que vive de rostos novos, mas eu me preparo para o futuro desde o dia em que comecei”. Enquanto isso, relaxa após um dia de trabalho com sessões de massagem em domicílio: à noite, depois de degustar um caseiro arroz com feijão e couve, Zaiya lhe aplica uma longa e relaxante massagem. “Adoro um cafuné”, diz.

Mas se Zaiya é liberal na roupa, é radical na comida. Vegetariano convicto, já está mudando os hábitos alimentares da gaúcha Shirley, fã de um bom churrasco: “Ele tem nojo, então não me sinto à vontade em comer carne quando estamos juntos.” Já o chocolate continua um vício em sua vida: “Quando trabalhava na fábrica costurando sapatos, eu comia um Charge todo dia, agora eu devoro aqueles bombons em forma de conchinha da Guylian”. Além de chocolate, ela adora fast food: pizza, hambúrguer, bagel com cream cheese. “Como muito em época de desfile mas não engordo”. E lembra da “pior fase” da sua vida: “Fiquei superdeprimida quando tive que largar minha família no sul para morar em São Paulo dividindo um apartamento com oito meninas do interior; vivia na maior dureza, ninguém tinha dinheiro nem para comer, rolava até roubo. Eu odiava aquela vida. Só saía de casa para comprar comida – com dinheiro emprestado da agência – e passava o dia assistindo TV”. Conclusão: pulou de seus ideais 56 kg para 64 kg. Nem seu 1,16 m de pernas suportou.

Ao mudar de agência, conheceu Gustavo Vicenzotto, sócio da agência Mega. Começaram a namorar. “Ele me tirou do buraco, fez com que eu me sentisse valorizada novamente; a mãe dele é minha 2ª mãe até hoje”. Nessa época Shirley explodiu na carreira de modelo. Contratada para estrelar o catálogo do inverno 96 da Forum, caiu nas graças da fotógrafa alemã Ellen von Unwerth, que a recomendou aos tops da moda em Nova York. E lá foi ela, sozinha e chorando com seu alemão fluente e inglês nulo, para sua primeira viagem internacional.

Quinze dias depois, estava nas passarelas de estilistas consagrados. Logo vieram editoriais para bíblias fashion como “Harper’s Bazaar”, “W” e todas as Vogues (América, França, Inglaterra etc.) e a capa para “Vogue” Itália, um de seus trabalhos mais marcantes ao lado da foto de Nick Knight para Alexander McQueen publicada pela The Face. E, claro, dezenas de campanhas publicitárias, daquelas que dão muito dinheiro, tipo US$ 100 mil por trabalho, e promovem fantásticas viagens pelo mundo.

O namoro com Gustavo não resistiu à distância. Shirley passou a sair com um vizinho americano e quase desistiu da carreira. “No começo, ele achou super-glamouroso e passou a viver a minha vida, indo a todos os trabalhos comigo ou me controlando pelo telefone; no final, a gente brigava de eu atirar o sapato na cara dele”. A pressão afetiva provocou danos quase irreparáveis em sua carreira. Shirley perdeu a vontade de trabalhar e assim perdeu também o brilho que a iluminava. Até que no Natal do ano passado ele a pediu em casamento com a condição que parasse de trabalhar. “Pela primeira vez comecei a pensar o que queria da minha vida e resolvi dar um basta.”

Uma semana depois estava em Paris, para a temporada de alta-costura, quando reencontrou Zaiya, seu colega de trabalho até então. “Ele é alegre, vive ouvindo música e falando besteira”. Com ele, descobriu que confiança é o principal ponto de uma relação, “depois vem sexo e afeto”. “Ele é homem num meio de bichas então as modelos dão em cima, mas eu tenho que confiar” diz. “Está tão gostoso que me sinto mais solta até na cama, tudo rola melhor”. Alheios à fogueira de vaidades, os dois gostam de armar um canto no backstage de cada trabalho para dar uma desligada. Shirley acende suas inseparáveis velas perfumadas, pendura uma canga para dar um clima e Zaiya liga seu som. “É uma festa, ficamos só entre amigos, longe das cobras”.

Com seus olhos azuis de gata que disfarçam até as orelhas de abano, Shirley é um dos rostos da campanha mundial do perfume Allure, da grife Chanel. Passou dois dias trabalhando com o fotógrafo Herb Hitts em Los Angeles, no Universal Studio. “Fazer Chanel dá muito prestígio”, afirma sem revelar o cachê mas admite que abriu mão dos US$ 150 mil propostos para a campanha de um outro perfume. Por causa deste trabalho, ela acaba de fotografar para a versão 99 do lendário calendário Pirelli. Ritts, que assina o calendário, escolheu uma modelo para representar cada década deste século. Shirley será uma pin up, dançarina de cabaré dos anos 40. Sua página virá até com autógrafo: “Beijos, Shirley”.

Se ainda não está milionária, pelo menos ela leva uma vida tranquila. Para os pais, que vivem de uma modesta granja, construiu uma casa “supergostosa” em Santa Clara do Sul, no interior do Rio Grande do Sul, com piscina, móveis coloniais, jardim e cerquinha que a protege dos curiosos. Para a irmã Ana Paula, sua melhor amiga, comprou um carro. “Telefono sempre para ela, quando eu estou triste ou feliz – ela me saca de longe”. Para elazinha, comprou um apartamento no midtown nova-iorquino, todo envidraçado, com plena vista para o rio Hudson, mas resolveu alugá-lo para dividir com Zaiya um loft mais despojado em downtown. No computador, esquece da vida jogando paciência e campo minado. Ou se organiza: compra passagens via Internet, cuida de suas contas e controla a agenda. “Desde que comecei a sentir falta de uns cachês que nunca chegavam, contratei um advogado para administrar minha vida”. E não vê a hora de encontrar Zaiya para gozar uma semana de férias na Austrália, onde ele vai surfar e ela, recompor as energias para os desfiles de NY que começam dia 15.

Lilian Pacce para O Estado de S. Paulo

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