O que a peruana Meche Correa pode ensinar pros estilistas brasileiros?

23.11.2017

Meche Correa tem uma carreira muito prolífica baseada em uma fórmula que virou um clássico seu: inspirar-se na riquíssima cultura peruana. A estilista usa o trabalho artesanal de comunidades do país nos seus produtos e toma a frente do mercado tal qual uma porta-voz quase informal: “Somos jovens diante do poder e da força da moda, e estamos em pleno desenvolvimento na área”. “Quase informal” porque na verdade ela faz mesmo parte de um grupo de embaixadores culturais que promovem uma imagem positiva do Peru no próprio país e, principalmente, no exterior.

Da mesma forma que o Brasil, aconteceu um recente boom de escolas de moda no Peru com uma nova geração ávida por mostrar sua criatividade. Una isso a uma história de arte têxtil milenar superfecunda, a uma belíssima oferta de matéria-prima (principalmente lã de alpaca, lhama e vicunha mas também algodão) e a um orgulho emocionante de suas origens e você tem uma receita muito promissora – com mais energia e otimismo do que a gente vê no mercado daqui, que ainda sofre com efeitos da crise. Conversamos com Meche em seu ateliê no bairro de San Isidro, em Lima, pra nos contagiar com a sua simpatia e talento – confira abaixo!

Como foi que você começou a usar a cultura do país na sua moda?
Tenho uma carreira de quase 25 anos, e quando comecei os peruanos não gostavam do que era nosso. Depreciávamos, não entendíamos como a nossa cultura é impressionante. O motivo provavelmente era a fase ruim de 20 anos do país, com governos e políticas que não estimulavam a esperança. Todo mundo queria ir embora do Peru! Hoje tudo mudou, graças a Deus a gente sabe que tem um país maravilhoso, que sempre foi assim. Desde o começo percebi que tínhamos uma fonte de inspiração, uma cultura milenar como poucas no mundo, algo indescritível. Decidi seguir esse caminho desafiando as opiniões alheias, de que algo inspirado no Peru estaria destinado ao fracasso. 

A gente já encontrou com a Meche em 2014, lembra? Vem relembrar!

Então desde o começo foi assim?
Sim. A razão pela qual comecei, o que motiva o meu coração e minha alma até hoje, o que me inspira: tudo é o meu país. Encontrei uma forma de me comunicar através da arte, através do desenho: Meche Correa não existiria se não existisse o Peru. Mas apresento isso num contexto contemporâneo, universal e moderno. E as pessoas se deram conta da beleza daqui. Um dos meus maiores orgulhos é que ocorreu o que não se imaginava: os próprios peruanos amaram minhas coisas, queriam comprar, e foi pelas minhas coisas que eles começaram a amar e entender o país.

Você pensava que ia fazer mais sucesso no exterior do que aqui?
Sim, achava que os turistas que iam gostar. Mas logo de cara tudo foi bem aceito por aqui. Politicamente, também aconteceu um desenvolvimento maior do Peru. Fico feliz de ter sido pioneira. Hoje muitos estão fazendo exatamente o mesmo que eu. Dizem: “Estão concorrendo diretamente com você”, e respondo “não, não é concorrência, cada ser humano é único, cada um tem sua maneira de se expressar”. A cópia é outra coisa, um tema que não vem ao caso, mas pegar o Peru como inspiração sendo ele tão grande, tão belo, tão diverso… Vai demorar minha vida inteira pra fazer tudo o que quero, sabe? Nós, peruanos, somos abençoados.

Visitamos dois museus no Peru que mostram essa tradição milenar com têxteis, confira!

Você trabalha com quais artesãos?
Primeiro de tudo, é bom salientar que temos cultura viva. Você ainda pode visitar os lugares, ver de perto como o povo se veste, como vive; não é como na era pré-colombiana mas ainda é como há muitos e muitos anos. Além disso, o país inteiro é artesão. Em toda parte existe domínio de técnicas têxteis: tear que prende na cintura, tear de pedal, trabalhos feitos à mão de tecelagem, bordado, desenho… Trabalho com gente de toda parte: da selva, da serra e da costa [os peruanos costumam dividir o país nessas 3 regiões]. Eles fornecem tecidos e bordados. As bordadeiras de Ayacucho, por exemplo: elas não trabalham com bastidor. É na mão, mesmo! E gosto muito desse estilo de bordado delas, o floral feito com lã. Um dos meus primeiros desfiles foi chamado “Las flores de mi tierra”, com esses trabalhos, e também com uma referência dos trabalhadores rurais da serra que pegam flores silvestres e prendem em seus chapéus: é o sombrero de flores, muito típico e tradicional. Fica alegre, coisa de quem ama a natureza.

E como é essa relação com os artesãos?
São muitos anos, né? Por causa da minha personalidade, são relações muito duradouras, graças a Deus! É uma gente terna, maravilhosa. Sempre tem alguém mais vivaz no grupo, que acaba virando uma espécie de líder e o dirige. São muito empenhados pra fazer o que peço, mas procuro não tomar oito horas de trabalho deles pra que eles possam fazer coisas pra outros. Falo mais com esse coordenador, por internet e telefone, vamos trocando desenhos, o material, as direções a serem tomadas, e ele naturalmente ganha mais por causa disso. Tenho um grande respeito pelo trabalho deles, claro, porque não é um trabalho como qualquer um, é algo no qual você imprime muito de si. E já somos quase como uma família, me comove. Quando vou pra uma das comunidades, eles se organizam, preparam pachamanca [um prato típico], chamam uma banda! Digo que não quero que eles gastem um centavo! [Risos] Também levo presentes, é uma relação que nem sei como descrever em palavras, chego a chorar de tão bonito. Pra mim é uma das maiores compensações, e isso não tem um preço. Quer dizer: na verdade faço questão de que, mesmo que eu fique sem dinheiro algum no bolso, eles tenham sua remuneração justa como o combinado, imediatamente após entregarem o que fizeram.

Atualmente, Meche tem pensado em desenvolver um trabalho em malharia, mais industrial, pra conseguir crescer paralelamente a esse desenvolvimento com artesania que continua firme e forte! Veja mais do trabalho dela na galeria – é só clicar na foto!

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