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“Vogue” UK, a novela fashion mais comentada do momento

10.07.2017

Em 10/04, a notícia foi confirmada: a “Vogue” UK já tinha um substituto pra Alexandra Shulman, a editora da publicação nesses últimos 25 anos. E ela vinha na esteira de Emanuele Farneti, um homem, substituindo Franca Sozzani na “Vogue” Itália. O nome é Edward Enninful, o primeiro editor homem negro a assumir um título “Vogue” nesse posto, que imigrou de Gana pra Inglaterra ainda pequeno e, aos 18 anos, assumiu o cargo de editor de moda da “i-D”.

Em 1998, como editor convidado da “Vogue” Itália, Edward foi o responsável com Franca e o fotógrafo Steven Meisel pelo hoje histórico “Black Issue” com modelos negras e pela “Belle Vere” de junho de 2011 com modelos plus size na capa e recheio. Essa foi sua última contribuição pra “Vogue” Itália, aliás – ele entrou pra “W Magazine” como diretor de moda e estilo em seguida, passando a se dedicar inteiramente a isso e dando uma imagem mais arriscada e portanto vanguardista pra publicação. Em 2016, ele ganhou uma OBE, medalha e título cedido pela coroa britânica, por seus serviços a favor da diversidade na moda.

Cascata de babados

Tudo muito bom, tudo muito bem. Uma das primeiras coisas que Edward fez na “Vogue” UK foi procurar a diretora de moda Lucinda Chambers, que trabalha na revista há 36 anos – desses, são 25 no importante cargo. A conversa era pra expressar sua admiração por ela. Podia ser entendido como um sinal de “fique tranquila, você vai continuar aqui”, certo? Mas durou pouco: a nova “Vogue” UK da era Enninful está a caminho, e Lucinda não faz parte dela. Ela foi demitida. Isso não é fofoca de bastidores: semana passada, surgiu um artigo em um blog de moda de viés acadêmico chamado “Vestoj” com um grande texto que saiu de uma entrevista dada por Lucinda. Ele é claro e direto nas frases que saem de sua boca: “Não saí. Fui demitida”.

Mas o texto não para por aí. É pura nitroglicerina: ela diz coisas como “Verdade seja dita, não leio a ‘Vogue’ faz anos” ou “As roupas [mostradas] são simplesmente irrelevantes pra maioria das pessoas”. Também coloca de maneira clara algo que todo mundo da indústria sabia mas alguns leitores provavelmente não tinham conhecimento – que às vezes (muitas vezes) a capa traz um anunciante, como o exemplo que ela dá de Alexa Chung com uma “camiseta Michael Kors estúpida”, segundo ela “um lixo”. E expõe, acima de tudo, a brutalidade do mundo da moda com quem trabalha nele, como profissionais descartáveis, ansiosos-nervosos em nível crônico.

Achou pouco? Bem, a verdade alegada por Lucinda agora é que ela não tinha ideia que a entrevista fosse aparecer online. Ela a deu pra um livro em produção. Já Anja Cronberg, a responsável pelo “Vestoj”, diz que realmente pediu por uma entrevista a princípio pra um livro, mas depois perguntou pra Lucinda se podia publicá-la na internet. E ainda mandou a entrevista antes pra ser aprovada. E aí, quem diz a verdade?

A Condé Nast em si foi atrás do “Vestoj”, que apagou o post e depois de 24 horas republicou com uma nota no começo explicando a situação, sem algumas partes. Advogados foram acionados, e Anja alega não ter meios financeiros de entrar numa batalha legal – por isso, preferiu seguir os pedidos do setor jurídico da Condé Nast.

Raça e classe

Voltando a Enninful: ele tem sido comparado com sua antecessora, Alexandra, que acima de tudo era jornalista e não muito afeita ao circuito mais hype. Já Edward é a sua antítese, um provocateur em seus trabalhos com imagens às vezes chocantes e polêmicas, que gosta de circular entre famosos. É um chacoalhão – muito maior que o de Emanuele na “Vogue” Itália, por sinal, que soa como um abafamento (ele é egresso da “GQ” Itália e não dá sinais de ter um espírito debravador e tão arrojado quanto o de Franca). E sim: a ascensão de Edward também tem a ver com raça e classe. O que se comenta é que Lucinda é apenas o começo, e sob a era Enninful, a “Vogue” UK deve “se livrar das garotas finas” – nessas palavras mesmo, de acordo com um blog bem apimentado da revista inglesa “The Spectator”. Diga um nome e te diremos se ele saiu da revista: Emily Sheffield, a irmã de Samantha Cameron (mulher do ex-primeiro ministro David Cameron). Frances Bentley. Fiona Golfar. Todas fora.

A colega Katie Grand, da “Love Magazine” da mesma Condé Nast, defende outra história: “Não acho que é sobre classe. É sobre sua zona de conforto e sobre com quem você quer trabalhar”. E Enninful quer trabalhar com, bem, seus amigos famosos: Naomi Campbell e Kate Moss já foram anunciadas como colaboradoras. O diretor Steve McQueen também. E, adivinha? Grace Coddington! Pra quem não sabe, Grace trabalhou por 19 anos na “Vogue” UK antes de entrar pro time da “Vogue” América como a parceira de Anna Wintour. Ela saiu desse cargo de diretora criativa em 2016, é superquerida no mundo da moda e tem o poder de tirar um pouco o foco da discussão de Lucinda. Mas só um pouco: não se fala de outra coisa nas conversas dos fashionistas. Como na plateia dos desfiles da recente temporada de alta-costura – era o papo do momento. Edward manteve o “nada a declarar” durante todo o tempo.

A responsabilidade de Enninful é capturar a atenção de um público mais jovem, que a gente nem sabe se ainda compra revista. Shulman, em sua era, conseguiu aumentar a circulação (221.000 em 2008, por exemplo) mas hoje, como todas as outras revistas de moda, a “Vogue” UK está em declínio de tiragem (cerca de 195.000). Será que ele vai conseguir? Será que ele vai manter seu estilo controverso, ou vai atenuá-lo pra não desagradar anunciantes? E será que a diversidade vai ter um foco maior na “Vogue” UK? Se tudo der certo, esse pode ser um novo modelo a ser seguido por toda a indústria, com um impacto gigantesco.

E a entrevista com Lucinda, vai gerar um debate produtivo e, principalmente, mudanças? A seguir, cenas dos próximos capítulos…

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