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Phillipe Starck, o explorador

05.12.2010

ReproduçãoPhillipe Starck

Philippe Starck é um explorador. Sim, em vez de designer, é assim que ele se define. “Adoro pesquisar novas soluções. É como o trabalho de uma faxineira que vai varrendo a casa de amigos e, durante esta ‘dança da poeira’, ela percebe o que está faltando aqui e ali ou o que não está muito bom. Ou seja, eu proponho coisas e vocês dispõem”. Minha conversa com o mais famoso designer francês começa assim, numa suíte do Royal Monceau, um dos sete hotéis-palácio de Paris, que acaba de ser repaginado por ele.

Passa dos dedos das mãos o número de hotéis criados mundo afora por Starck (incluindo o Fasano, no Rio, que ele diz ser um de seus preferidos). Ao lado de Ian Schrager, ele revolucionou o conceito de hospedagem nos anos 80 com os chamados hotéis-butique. Neles, a badalação era intensa, celebs pipocavam pelo lobby e os quartos em geral eram tão modernos quanto escuros e apertados. Agora, esqueça tudo isso. Starck – ou o turista? – mudou. Há uma atmosfera de aconchego neste novo projeto, que inclui conforto e elementos que remetem a um clima de familiaridade. Os quartos (amplos, é bom notar) já vêm com um colar de pérolas esquecido sobre a mesa, a cúpula de um abajur rabiscada com anotações pessoais, quadros que ainda não foram pregados, livros que estão sendo lidos – enfim, há sinais de vida em cada canto.

ReproduçãoO quarto do Hotel Royal Monceau

Segundo ele, tudo é resultado de uma pesquisa sobre o verdadeiro espírito francês. “Temos algo extremamente desagradável para o mundo: nosso excepcional espírito crítico, que nos dá a fama de arrogantes e pretensiosos – o que é verdade. Ao mesmo tempo, é este espírito crítico que eleva o padrão de qualidade de tudo”. Com este espírito crítico, ele proporciona o que ele chama de “surpresa fértil” em cada espaço do hotel: da enorme chaleira criada pela artista portuguesa Joana Vasconcelos para o jardim interno ao cinema com a mais nova tecnologia 3D passando pelas milhares de conchas que cobrem as paredes do Carpaccio, como se formassem uma gruta que leva a este restaurante italiano do hotel, mais intimista. Há também um pequeno fumódromo onde tudo é vermelho: o lustre que “derrete” em sangue, as paredes, os móveis. “Fumar hoje é um suicídio. Quem entra neste ambiente vermelho como a morte, sabe que vai morrer. É uma escolha.”

E o que é o luxo hoje para um hotel 5 estrelas? Para Starck, fazer um hotel é como dirigir um filme. “Eu estudo a permanência e o movimento, como a energia vai se deslocar, e também a emoção, a evasão, a concentração. Imagino uma cena de cinema onde meus amigos são os mais bonitos, os mais elegantes, os mais inteligentes, os mais divertidos e, principalmente, os mais apaixonados”, diz. Sem meias palavras, refuta a atitude de quem chega com um carrão, distribui gordas gorjetas e se veste com logos da cabeça aos pés. Lembrando que grandes cantores e escritores criaram grandes obras ali, conclui: “Este é um hotel essencialmente de arte e francês, onde vale a hierarquia da inteligência, não a do dinheiro. Não agrada a todo mundo. O que eu quero são pessoas extremamente sensíveis, que fizeram fortuna com o espírito, como Bill Gates, Steven Jobs, Paul Allen, gente que compreende que aqui o cérebro pode trabalhar bem, em todos os sentidos. É uma escolha precisa e segmentada.”

O mesmo cliente que freqüenta o Fasano, vai a Paris, Londres, Tóquio ou Nova York (sim, há hotéis by Starck em todo lugar) e é esta pessoa que ele conhece bem e quer atender. “Somos um clube, uma tribo, unidos pela inteligência e sensibilidade. Não pelo dinheiro.” Sim, claro que o dinheiro ajuda. Uma noite no Royal Monceau começa com 780 euros…

ReproduçãoA famosa cadeira Louis Ghost, de Starck

E o que Starck está projetando agora? Depois de criar de tudo um pouco – cadeiras (a Louis Ghost já vendeu mais de 1 milhão de exemplares), móveis, objetos, motos, cashmeres, casas e uma lista imensa que inclui até as viagens espaciais da Virgin-, ele tem se dedicado ao estudo da criação em si. Sem abrir o jogo totalmente, diz que está trabalhando na fundação de um laboratório fundamental de pesquisa pura, que será lançado em setembro de 2011. Junto a médicos e cientistas, quer descobrir agora o “milagre da criação”, o momento daquele estalo. “Não importa se é na arquitetura, na dança ou na música. Queremos entender o momento da criação em si e por que ele acontece. Todos nós temos o potencial criativo”, acredita.

A cabeça de Philippe Starck pensa muito além do objeto concreto ou do espaço real. Starck se interessa pelo espaço mental. “Viajo muito. Tive milhões de quartos durante minha vida e, garanto, não é muito divertido viver sozinho num quarto de hotel. Então me perguntei: como fazer um lugar vazio ser habitado? Foi aí que criei o espaço mental”.

A música ou um perfume, por exemplo, fazem parte do espaço mental: “O som que chega ao seu ouvido provoca uma reação no seu cérebro que remete a um mundo extraordinário, fantasmagórico, que é o da música. Ou um dia um homem passa por você e desaparece na rua, mas o perfume dele fica na sua memória. É o espaço mental. Eu procuro reconstituir esses sinais tão diversos quanto sofisticados”.

Uma de suas inspirações foi o escritor e ex-ministro da Cultura da França André Malraux. “É como se eu imaginasse como este homem extraordinário viveria neste quarto: que móveis teria, como seria a luz de sua mesa de trabalho, como ficaria o sofá para que sua mulher o visse trabalhando ou como ele guardaria lembranças feitas por seus filhos”, diz. Para ele, isso é o oposto do design, da arquitetura ou da moda: “É simplesmente a elegância da inteligência que um homem de qualidade busca em seu espaço. É uma visão totalmente nova, especialmente na hotelaria. E extremamente francesa.”

E não é só nas formas de sua escova de dente, cadeira ou espremedor de limão que Starck é orgânico. Ele é também um defensor entusiasta da ecologia muito antes da sustentabilidade virar moda. Doze anos atrás, lançou um catálogo só de produtos eco-friendly e foi além: produziu o primeiro azeite de oliva orgânico certificado, acaba de lançar o Revolutionair (turbina eólica para geração de energia de uso doméstico) e está pondo em ação seu projeto de casa sustentável e, logo mais, o H+, carro movido a hidrogênio.

Lilian Pacce, especial para o jornal “O Estado de S.Paulo” em 02/11/2010.

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