Categorias: Fashionteca

Leia entrevista com Clodovil de 1991

19.03.2009

ReproduçãoCroqui de Clodovil para vestido de Elis Regina

Em novembro de 1991, Lilian fez uma entrevista com Clodovil para a “Folha de S.Paulo”. Ela resgatou esse texto e traz para os leitores do Blog LP:

Em 30 anos de carreira, Clodovil Hernandes, 54, acabou ficando mais conhecido por suas alfinetadas do que por suas costuras. Dez anos afastado das passarelas, ele apresenta 60 modelos na próxima quarta-feira no inacabado Museu da Escultura (Jardins, zona sul de São Paulo). Mais uma vez vai homenagear a mulher – como se fosse um colunista. Irritado com a cobertura da imprensa a desfiles de jovens estilistas, quer mostrar aos “meninos” como é que se faz.

Clodovil apresentou programas na TV Globo, Bandeirantes e Manchete. Cantou em “As Duas Máscaras de Clô”, atuou em “Seda Pura e Alfinetadas” e “Sabe Quem Dançou?”. Diz que pode viver sem trabalhar – basta vender alguns objetos seus, como tapetes persas. Compra suas roupas, diz, quem tem dinheiro. Mas não revela o preço. A seguir, os principais textos da entrevista.

Numa época em que a alta-costura serve para vender imagem, e não para ganhar dinheiro, por que você não está no mercado de confecção?
Confecção de roupa no Brasil é lidar com o industrial que quer, primeiro, que você faça o milagre, depois ele olha seu produto e diz que não vendeu para não pagar os royalties.

Você chegou a parar seu trabalho como costureiro?
Eu tinha tudo – lenço, perfume, loja (fechada há quatro meses). Quem cuidava era uma pessoa que eu considerava como filha. Mas ela não gostava tanto de mim como eu imaginava. O Brasil é assim. Aqui você tem vergonha de ter dinheiro, é raro um Antonio Ermírio de Moraes.

E você tem vergonha? Por que não fala o preço de sua roupa?
Isso é xeretice sua. Sua entrevista não é para o consumidor. Põe qualquer preço.

Mas o consumidor lê jornal e seu assessor diz que um vestido custa US$ 10 mil.
Inexperiência dele. A mulher que quiser uma roupa minha vem espontaneamente. Não entra numa joalheria quem não tem cacife.

Por que você ficou dez anos sem fazer um desfile?
Decidi que não queria mais essa despesa. Ninguém dá dinheiro, faço tudo sozinho.

E o patrocínio da tecelagem Fama by Telene?
É um patrocinador que tem dez modelos num desfile de 60. Percebeu que ninguém passa a vida usando só linho – ele deve se misturar a tudo.

Por que você vai homenagear nove mulheres?
A Marisa Monte é todas as cantoras. A Fernanda Montenegro representa todas as atrizes. A Letícia Sabatella representa as jovens. A Carmem Mayrink Veiga é a mulher da sociedade. A Regina Marcondes Ferraz, uma grande amiga. Renata Scarpa, que não conheço, é uma jovem senhora em ascensão. Marta Rocha é um mito. A Sara Kubitschek é o que toda primeira-dama deveria ser. Costanza Pascolato representa a moda. E o Jô Soares é um homem que se veste bem, com um toque de humor. O desfile vai lembrar as pessoas como uma coluna social.

Você sempre diz que quem faz moda deve aprender a trabalhar. Como?
Não se deve fazer roupa só para sair na Joyce Pascowitch. É um trabalho como os outros: acordar cedo, administrar. Não é só desenhar a roupa, é preciso construí-la, como uma casa: o arquiteto é o estilista, o engenheiro é a contramestra, os pedreiros são as costureiras. Se as coisas não batem, a construção fica torta. Sou autodidata.

Qual é a cor dessa coleção?
Tem desde a calçada de Copacabana até beija-flor bordado – homenagem ao Cazuza.

Você lançou moda?
Inventei o Saint-tropez – o biquíni pedia um cós baixo. Lancei o uso da saia curta por um erro da contramestra. Mandei descer 8 cm num vestido que a Elis Regina usaria no “Fino da Bossa” e ela subiu 8 cm. Só vi na TV. Disse para a Elis: você é louca. Ela respondeu: você mandou! Como boa cliente, não questionava minha criação.

Sua briga com o Dener era marketing?
A gente brigava durante o dia só para sair nos jornais. À noite nos encontrávamos para rir. Ele fazia isso para me promover, sabia que eu tinha valor. Hoje eu não poderia fazer o mesmo.

Lílian Pacce para a Folha de S. Paulo, 2 de novembro de 1991

Tags:  

Compartilhar