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O “Glamour” de Vreeland

04.10.2011

Reprodução“Glamour”, a capa

Quando glamour era glamour de verdade, ninguém menos do que Jacqueline Kennedy Onassis, então editora da Doubleday, pediu a Diana Vreeland que fizesse um livro que resumisse sua idéia de glamour com fatos e fotos, ou melhor, imagens e impressões. Junto do amigo-assistente Christopher Hemphill, Diana aceitou o desafio vasculhando tanto sua própria memória quanto os arquivos das principais publicações do mundo. Vasculhou, garimpou, peneirou. Virou mesmo tudo de cabeça pra baixo quando ouviu de um amigo que o livro que estava preparando tinha “uma certa unidade”. Foi aí, tocada pelo tom de mediocridade do comentário, que Diana mergulhou em busca da “des-unidade”. Surgiu assim “Allure”, em 1980, que a Cosac & Naify edita agora como “Glamour”, com prefácio do estilista Marc Jacobs, um dos mais influentes hoje.

Jacobs declara algo que todos nós, que vivemos moda, poderíamos assinar embaixo: “Ela foi uma tremenda inspiração pra mim… Alguém fiel a uma paixão inspiradora e que cria algo novo a partir daí – e é bem isso o que nós fazemos na realidade.” E mais: “Ela virou o arquétipo e o estereótipo do que significa ser editor de moda e tomar decisões, descartando o velho e anunciando o novo”. “Glamour” é um tocante passeio pelo pensamento – e pela sinceridade– de Diana Vreeland, que articulava tão bem seus comentários quanto suas imagens, perseguindo a perfeição e descobrindo o belo mesmo onde ele não era evidente. Sem falar de seu talento pra edição das páginas em si, lição que teria aprendido com Alexey Brodovitch, o mítico diretor de arte da “Harper’s Bazaar“.

Mas editar o que já foi editado parece obra de alguém muito louco, certo? Sim. E perfeccionista. Diana Vreeland era assim: autêntica em tudo, contraditória, controversa, corajosa. Poucas filhas souberam superar problemas com a mãe com tanto “allure” como ela, que cresceu ouvindo que sua irmã era muito mais bonita que ela. Diana não se fez de rogada. Mal sabia a mãe que ela também admirava a beleza da irmã e talvez daí, desta observação profunda à tal beleza que sua mãe tanto (p)rezava, tenha nascido seu talento para as coisas belas, fazendo de sua própria figura “feia e nariguda” uma das mais impactantes dos século 20. Depois de ter observado intensamente as garotas mais bacanas de sua época, para aprender com elas, Diana chegou à seguinte conclusão em seu diário: “Como nunca encontrei esta garota ou esta mulher, resolvi que eu tinha que ser ela”.

ReproduçãoMarilyn, uma das imagens do livro “Glamour”

Alçada à editora da revista “Harper’s Bazaar” e depois, da “Vogue” americana, Diana criou um novo modus operandi na imprensa de moda. Trocou as socialites por modelos ou pessoas de forte personalidade, que tivessem algo a dizer. Muito antes do Photoshop, ela se orgulhava de alterar, retocar e “compor” imagens, como num quebra-cabeça, até obter o efeito desejado, “para chegar ao todo perfeito”. As pernas eram quase sempre de Cyd Charisse, depois vinha o corpo, braços, rosto etc. Muito antes da discussão sobre anorexia – e das imagens hediondas surgidas graças aos softwares de imagem –, Diana dizia que nunca eliminava menos do que duas costelas: “Fui a maior retocadora de fotos do mundo!”.

Além de grande compositora de imagens, Diana era frasista genial. Fluente em francês e inglês (ela nasceu em Paris, cresceu em NY, casou em Londres, e voltou a Big Apple onde finalmente começou a trabalhar de fato), ela fez da cultura uma grande aliada. Conviver com a elite política, intelectual e social era natural pra ela, da duquesa de Windsor e Maria Callas ao grande joalheiro Harry Winston, passando por Gertrude Stein, Truman Capote, Winston Churchill e Andy Warhol, sem falar de grandes nomes da fotografia como Richard Avedon e Cecil Beaton.

Comecei o livro de trás pra frente e quando cheguei ao início, li, atônita, a seguinte frase: “Será que alguém lê um livro de fotos desde o início? Eu jamais faço isso. Este é um dos motivos por que acho os japoneses tão inteligentes – é algo instintivo começar pelo fim”. Bem, o caso de “Glamour” é muito mais do que um livro de fotografias. É pura filosofia e savoir faire.

Lilian Pacce, especial para o jornal “O Estado de S.Paulo” no dia 3/10/2011

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