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A incrível coleção de moda de Hamish Bowles

02.11.2016

Tem quem pense que Hamish Bowles é “apenas” um editor internacional da “Vogue“. Mas ele tem outra “ocupação” que faz os olhos de qualquer fashionista brilharem: Bowles é o dono de um acervo de moda preciosérrimo de mais de 3.000 itens, sobre o qual ele veio falar aqui no Brasil no evento Fio da Meada, parte das comemorações dos 50 anos do shopping Iguatemi. A gente aproveitou a oportunidade pra sentar com ele e falar sobre sua coleção e, automaticamente, sobre história da moda, já que ele tem peças históricas incríveis. Saiba mais abaixo – e na galeria você vê fotos… da coleção em si, claro! Clica!

Como você começou o seu acervo de moda?
Começou com um interesse em figurino. Desde pequeno eu fui fascinado por figurinos de época em peças, filmes, TV. No museu Victoria & Albert em Londres existe um incrível, enciclopédico acervo de vestuário, e eu achava tão empolgante poder observar como as pessoas costumavam se vestir. Os vestidos, aquelas roupas loucas e excêntricas moldando o corpo, isso sempre foi muito atraente pra mim, que “viajava” olhando tudo aquilo. Quando fiquei um pouco mais velho, adolescente, comecei a ver a “Vogue” UK e outras revistas. Era um momento excitante pra moda, com estilistas muito inspirados como Bill Gibb, Zandra Rhodes, Ossie Clark… Roupas maravilhosas, criativas, escapistas, fantásticas. Desde então já vim comprando alguma coisa, o que podia com o que tinha de dinheiro. Aí pensei que faria sentido colecionar moda, trabalhos de estilistas.

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Qual é o item mais antigo da sua coleção?
São os criados por Charles Frederic Worth. São do fim dos anos 1850, tenho um corpete de 1858, muito simbólico dessa casa de moda que hoje a gente credita como a 1ª, no sentido de que ele foi o primeiro a criar coleções sazonais e mostrá-las em modelos. Antes disso, as mulheres que queriam um vestido iam ao vendedor de tecidos, faziam seu pedido, depois iam a outra pessoa que vendia os adereços; em seguida uma costureira unia tudo isso, mas eram as clientes que escolhiam como seria o vestido de acordo com as últimas modas de Paris ou Londres. Já Worth criava roupas do começo. Ele olhava a mulher e dizia: “Você vai ficar ótima nessas cores, essa silhueta vai lhe cair bem”. Impunha suas ideias e um homem fazer isso na época era bem pouco comum.

E como você conseguiu esses itens?
Comprei a 1ª peça de Worth num leilão em Londres, na época existia muita coisa por aí, tinha vendas toda semana; figurinos, tecidos, sapatos, leques, às vezes rendas, e algumas vezes roupas da virada do século 19 pro 20. Ainda não era um mercado, era mais aleatório; as pessoas não estavam tão interessadas e tive sorte em comprar com o pouco dinheiro que tinha.

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Das peças assinadas por estilistas que você tem, quais são as mais preciosas, não do ponto de vista histórico mas do seu gosto pessoal?
Gosto de tudo no meu acervo, cada coisa por alguma razão diferente. Coisas dos anos 20 criadas por Gabrielle Coco Chanel, do fim dos anos 30 de Elsa Schiaparelli, de Christian Dior do fim dos anos 40, Saint Laurent pra Dior nas suas 1ªs coleções; e também coisas de Nicolas Ghesquière, Dries van Noten. Acho que as minhas preferidas são as peças mais autobiográficas, relacionadas comigo, roupas dos anos 70 de estilistas ingleses que me lembro de ver na época em revistas. São coisas que me deixaram empolgado com a moda. E também itens de John Galliano, a coleção grega que foi tão inspiradora pra mim entre suas 1ªs; e coleções de McQueen também.

Você tem coisas contemporâneas também.
Sim, mas não as compro diretamente da passarela, geralmente espero a temporada passar até que os preços baixem (risos). Tenho muita sorte porque às vezes estilistas me dão peças. Infelizmente não tenho um anjo bem afortunado pra olhar pelo acervo…

Sim, eu ia perguntar isso também, como você mantém o acervo conservado?
É bem complicado. Tem coisas mais frágeis, coisas de corte enviesado, bordados que são muito pesados pro tecido e aí precisam ficar deitados em caixas especiais acid-free… É importante porque o tecido pode manchar, por exemplo. O papel que envolve a peça precisa ser especial também, claro. Você os consegue online, de grandes fornecedores de museus, então preciso fazer grandes pedidos pra tê-los. Os materiais mais rígidos precisam de um cabide, às vezes no formato da peça pra justamente manter o formato. O local precisa ser climatizado, o que é uma despesa grande, uso mais de um lugar.

Ah, então você não tem um só lugar com tudo?
Meu sonho é ter apenas um espaço pra manter tudo, e grande o bastante pra tirar apenas alguns itens com facilidade, com mesas pra examinar as peças.

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Você tem um objetivo com a coleção, como montar um museu?
O objetivo mais urgente é ter uma plataforma online, pra acessar todas informações de maneira mais simples. E também quero fazer exposições itinerantes pelo mundo, mostrar algumas coisas. E sim, acho que o objetivo final, se eu conseguir o capital necessário, é criar um museu em um lugar onde a moda ainda esteja pouco representada e que seja inspirador ver o acervo e a história por trás dele; ou me associar com alguma instituição que já existe com interesse em história do vestuário e da moda.

Ainda existem brechas no seu acervo, historicamente falando?
Brechas enormes! Mesmo quando comecei a coleção existiam alguns poucos estilistas que todo museu queria, como Paul Poiret, madame Vionnet, Elsa Schiaparelli em seu período surrealista, o vestido Mondrian de Yves Saint Laurent… Quando essas coisas vinham a leilão, sempre estava lá eu dando lances e competindo com gente que tem muito mais recursos que eu. Existem algumas peças icônicas que ainda procuro, apesar do acervo ter força em outras áreas. Claro, seria ótimo ter as maravilhosas peças pré-1ª guerra de Poiret, com inspiração superoriental, ou os itens muitíssimo simples que ele fez pra sua mulher. Alguns desses apareceram recentemente mas já tinham a preferência de museus franceses nos lances. Quer dizer, peças icônicas deveriam mesmo estar em museus franceses, mas é muito frustrante quando você ganha nos lances e mesmo assim não leva! (Risos)

O que mais você queria ter no acervo?
Enfim, coisas do começo de Poiret; tenho algo do período surrealista de Schiaparelli, mas ainda queria outros itens; ainda não tenho um Dior da 1ª coleção dele, tenho coisas da 2ª, 3ª, 4ª, acho que de todas as seguintes, menos da primavera-verão 1947 e seria ótimo ter alguma coisa; tenho um ótimo vestido de noite e um incrível look de dia da coleção russa de Saint Laurent, queria mais algumas coisas dela… Isso é só gula, porque já tenho duas coisas! (Risos) Um vestido Mondrian do Saint Laurent seria ótimo. E certamente existem peças do McQueen que eu adoraria ter. Algumas coisas vão continuar no terreno do sonho porque só existe uma peça que foi feita pro desfile e ela já é de um museu ou é do próprio arquivo da maison.

Esse mercado de moda é um mercado competitivo como o mercado de arte?
Tem se tornado mais competitivo porque existem cada vez mais museus ao redor do mundo percebendo como exposições de vestuário e moda atraem público, inclusive um público novo que não iria em uma exposição de arte. Por isso, eles têm aumentado suas coleções. É o exemplo do Los Angeles County Museum, que já tem um acervo maravilhoso; com o novo diretor Michael Govan eles têm tido uma estratégia agressiva em leilões. O museu de Cleveland também está nessa, o de Denver; vários museus querem peças históricas de vestuário. Isso significa que preciso ter uma estratégia mais furtiva, pegando coisas que ainda não tem reconhecimento e não chamam a atenção deles.

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E por último, mas não menos importante: quais são suas impressões sobre a moda brasileira? Você já esteve aqui outras vezes, certo?
É minha 10ª visita ao Brasil mas a 3ª pra ver moda. A 1ª foi no Rio Summer, que obviamente era bem voltado pra moda praia; depois vim e assisti alguns desfiles do SPFW, espero ver alguns agora também. A experiência no Rio Summer foi muito divertida porque…

Porque foi uma festa, né?
Foi uma festa, e também combinava com o que acreditamos que seja a moda brasileira: praia, corpos, roupa de banho, looks muito apropriados pro Rio. Claro que SP é um tipo de mercado diferente, um nível diferente de oferta e abordagem. Sempre fico empolgado quando peças trazem técnicas típicas do país, como fuxicos, bordados que você não vê em outros lugares. Sinto-me um neófito em moda brasileira, mas pronto pra aprender mais, inclusive sobre alguns estilistas históricos! Falei com Carmen Mayrink Veiga, sei que ela usou várias roupas de estilistas brasileiros dos anos 60 e 70. São fabulosas, adoraria saber mais sobre eles! Muito dramáticos, estilosos, extravagantes!

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