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Bethy Lagardère veste moda como arte

16.06.2009

ReproduçãoBethy Lagardère

Aos 17 anos, Elizabeth Pimenta Lucas deixou sua Belo Horizonte para tentar a carreira de manequim em São Paulo. O pai da bela morena de 1m80 de altura, gerente do restaurante do Minas Tênis Clube, não gostou muito da idéia. Ela veio mesmo assim e, na década de 60, conquistou costureiros como Dener. Era a manequim Bethy. A moda a levou a Paris nos anos 70 – “foi tudo muito difícil”, conta ela nesta entrevista exclusiva ao Estado.

Ali, no berço da alta-costura, sua morenice encantou Emanuel Ungaro, Yves Saint Laurent, Guy Laroche, Azzedine Alaïa e outros grandes estilistas… Em 1978, ela fisgou o coração de Jean Luc Lagardère, cerca de 20 anos mais velho, empresário de aviação e mísseis (Airbus e Matra) e de comunicação (editora Hachette Filipacchi, da revista “Elle“) e outros tantos negócios. Um dos homens mais ricos da França, ele fez dela a Bethy Lagardère: ex-manequim, socialite franco-brasileira, cliente da alta-costura francesa e colecionadora de amigos influentes e de gadgets divertidos, como bolas musicais de Natal.

O casamento durou 25 anos até 2003, quando Jean Luc morreu deixando um império estimado em US$ 17 bilhões. Arnaud Lagardère, filho único do primeiro casamento dele, é quem toca as empresas hoje e mantém uma relação “civilizada” com Bethy. Ela, que não teve filhos e se esmerou no papel de esposa perfeita, sofreu com a viuvez: engordou, não dormia, entrou numa depressão que deixou seu cabelo completamente branco. Recuperada, tingiu os fios da cor natural, negro, mas manteve a mecha branca, sua marca registrada e espécie de tributo ao marido.

Os óculos escuros foram uma dica do amigo Karl Lagerfeld para proteger seus olhos da claridade e da fumaça do cigarro que ela adora, como adora também viajar. Bethy vive entre o Rio, a cidade maravilhosa, e Paris, a cidade luz, onde em 2005 vendeu sua mansão para Bernard Arnault, o todo-poderoso do grupo LVMH, por 60 milhões de euros.

Bethy coleciona alta-costura. Veste arte. E expõe pela segunda vez no Brasil parte de seu valioso acervo de alta-costura. Os 33 looks, muitos trazidos de seu closet em Paris, são o tema da mostra em cartaz no prédio da Bienal durante o São Paulo Fashion Week (de amanhã a segunda-feira). Bethy também é personagem do documentário “Bonjour Madame”, que o canal GNT (Net/Globosat) exibe hoje à noite. Por causa do Ano da França no Brasil, o tema desta SPFW é Passion Paixão. Sim, o evento está apaixonado por Bethy e faz festa para ela hoje à noite no shopping Iguatemi. Através de sua assessoria, ela respondeu à seguinte entrevista:

Qual foi sua primeira grande emoção com a moda?
Meu primeiro desfile para Jean Louis Scherrer em maio de 1972.
Ser brasileira ajudou ou atrapalhou?
Não atrapalhou em nada… Mas o jeitinho brasileiro ajudou muito!
Qual foi sua primeira aquisição de alta-costura?
Foi um Givenchy em 1973, quando desfilei pela primeira vez para ele. Hubert de Givenchy sempre dava uma roupa da coleção de sua alta-costura para as modelos. Que classe!
Como grande conhecedora da moda, o que faz realmente diferença num modelo de alta-costura?
O tecido, os bordados e, claro, a audácia do criador!
Dos 33 modelos da exposição, quais são especiais para a senhora?
Todos representam um momento único. Mas tenho uma ternura especial pelo tailleur Yves Saint Laurent e pelo smoking de Jean Paul Gaultier, dois nomes que sempre tiveram paixão pela criação e pela criatividade.
Seu acervo pessoal reúne quantas peças de alta-costura? Há, digamos, uma preocupação museológica na organização e conservação?
O acervo vai ter uma preocupação museológica quando houver um museu! Já é hora do Brasil possuir um museu para abrigar a história da moda nacional e internacional. Por acreditar muito nisso, decidi oferecer parte de meu acervo de roupas de alta-costura ao país (através do Paulo Borges) como incentivo a esta empreitada. A moda representa a expressão visual de um povo e, preservando o que já foi produzido no Brasil, ajudaremos a reconstituir nossa história. Espero que as autoridades competentes tenham em mente a importância da criação de uma entidade que abrigue este viés cultural e ajudem neste projeto com o qual me identifico – nos identificamos!
Chegou o momento de homenagear os profissionais que se dedicaram e contribuíram para o crescimento do setor. Nossa criatividade é inquestionável! Possuímos estilistas e modelos reconhecidos internacionalmente e o Brasil tem aumentado tanto suas escolas e cursos de moda quanto suas exportações. Por estas e outras razões, espero que os modelos doados abram as portas para que, em breve, os brasileiros apresentem seu próprio museu com orgulho. Sem isso, nosso trabalho e nossa história correm o risco de se perder…
Quem são os amigos que a senhora fez no mundo da moda?
Quase todos, mas tenho um carinho e uma amizade especial por Azzedine Alaïa (estilista tunisiano radicado em Paris).
No início do documentário Bonjour Madame, a senhora pergunta: “Quem sou eu?” Como a sra. se define?
Como uma pessoa extremamente normal, quando não estou de mau humor!
A senhora aceitaria convite para desfilar?
Hoje? De forma alguma!
Para qual criador a senhora não trabalhou mas adoraria ter trabalhado?
Balenciaga. Foi uma época maravilhosa, as mulheres se vestiam com elegância em todas as circunstâncias. Ele foi um grande professor e formou grandes criadores. Gostaria de ter acompanhado seu processo de trabalho, suas fontes de inspiração…
A alta costura perdeu espaço para o prêt-à-porter que, por sua vez, está cada vez mais contaminado pelo fast fashion. Como a senhora vê o cenário da moda hoje?
O mundo moderno não tem paciência para esperar. O consumo é imediatista e a insatisfação também – conseqüências da internet. O jeans e o tênis acabaram com a vontade de se apertar num corset. O consumidor não tem informação sobre a relação qualidade/preço, com isso a mão-de-obra e o savoir-faire se perdem. Um vestido de alta-costura exige paciência pra que ele se realize.
Qual estilista da nova geração chama sua atenção?
Todos. A criação é algo difícil. Cada um corresponde a um gosto, a um desejo, e merece um olhar.
A sra. defende a importância da cultura para a elegância. A sra. indicaria algum título para a mulher em busca da elegância?
Não, não indico. Até porque a cultura dentro da moda é tudo: a maneira de viver em casa e na rua, o dia-a-dia. É leitura, teatro, ópera e até gastronomia, além das viagens e muita observação. O melhor não é buscar a elegância, mas encontrá-la.
O que é uma mulher elegante hoje?
Aquela que sabe encontrar seu estilo.
As chamadas “it girls” são as musas da moda contemporânea. Alice Dellal, Agyness Deyn, Kate Moss são donas de atitudes rebeldes e imagens provocadoras. Essa imagem correspondia à sua época também?
Não, pelo contrário. Nossa conduta, publicamente falando, era bastante discreta. Chanel, por exemplo, não permitia que suas modelos usassem nada que não fosse Chanel. Mas o mundo muda e rápido, as exigências de ontem não são as mesmas de hoje. Pessoalmente sinto que seja assim. Há uma banalização do álcool e das drogas que nunca fizeram parte do meu mundo. O critério de seleção era baseado numa beleza real. O escândalo não fazia parte da nossa publicidade!
Quem é sua “it girl”?
Verushka e ninguém mais.
A sra. divide residência entre Paris e Rio. O que mais gosta de fazer nas duas cidades?
No Rio, me sinto em férias. A praia e os amigos me dão a sensação de ter tempo para algo agradável. Paris é mais cultural e os programas, mais intensos. Há sempre um jantar, uma exposição, um teatro. É mais organizado do que qualquer lugar do nosso país. O tempo voa por aqui, é bastante intenso. Os eventos e jantares são sempre de última hora, o que é sofrível. Lá a agenda é mais organizada.
Além do Rio e de Paris, qual é o seu lugar preferido no mundo?
Roma, pela gastronomia e beleza da cidade. E qualquer lugar da Índia. Lá o tempo é lento, as pessoas são calmas e respeitosas. É o único país do mundo onde a globalização ainda não acabou com tudo. O sári ainda é a roupa que as mulheres usam, e usam com orgulho. Adoro também as massagens de spas. Não há no mundo nada como as da Tailândia.

Lilian Pacce, Especial para o Estado de S.Paulo (Colaborou Mariana Abreu Sodré)

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