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Algumas taças de vinho branco com Tim Blanks

25.02.2018

Está rolando a temporada internacional de outono-inverno 2018/19 e uma das opiniões sobre os desfiles mais valorizadas ultimamente é a de Tim Blanks, jornalista neozelandês radicado em Londres que bombava no finado “Style.com” e desde 2015 escreve, principalmente, pro “Business of Fashion”, site que é mais voltado pra indústria. Os seus textos de desfiles, aliás, são trancados – você precisa pagar pra acessá-los! A gente conversou com ele sobre moda na sua última passagem pelo Brasil, durante o Iguatemi Talks, entre uma taça e outras (várias!) de vinho branco. O resultado você confere abaixo!

Conversamos há 5 anos, na última vez em que você veio ao Brasil [a entrevista está aqui]. O que mudou na moda de lá pra cá?
A tecnologia, obviamente, que se inseriu em tudo. Sinto que de alguma forma sou um embaixador de um certo tipo de consistência. Tecnologia pode impactar no processo criativo de formas pragmáticas, como o jeito que você desenha em uma tela como se fosse um pedaço de papel; mas a criatividade humana, no que se relaciona com a moda, não muda. Um bom estilista segue sendo um bom estilista, a tecnologia não consegue transformar um estilista ruim em bom. E sinto que, de um jeito instigante, a internet educou as pessoas sobre a moda ao ponto de elas estarem mais conscientes sobre o que faz a moda.

Mesmo?
Não estou falando de todo mundo, claro, a maior parte das pessoas não liga pra moda, vamos falar a verdade. Vivemos na moda, achamos que é um mundo tão grande e importante, mas é uma bolha. Se eu falar com meu irmão na Nova Zelândia e falar “Giorgio Armani“, ele responde “perfume”; “Gianni Versace“, “assassinato”; “Tom Ford“, “nunca ouvi falar”. A ignorância do mundo real sobre a moda nunca deixa de me abismar. Mas existe mais consciência, definitivamente; a internet criou uma espécie de star system de celebridades. Porém, fundamentalmente, o melhor da moda ainda são pessoas incrivelmente criativas, que apreciam esse meio e se expressam por ele. Toda coleção de um estilista é um capítulo em sua autobiografia, e é assim que respondo a elas, não de uma maneira intelectual, mas de maneira… talvez literária.

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E o seu trabalho, mudou?
Não, porque escrevo, continuo escrevendo. E continuo escrevendo num computador, faz 25 anos. Mudou do “Style.com” pro “Business of Fashion”. Acho que Imran [Amed, o CEO do site] me contratou pra trazer uma voz de consumidor, uma espécie de porta-voz do fã de moda, e não numa orientação de negócios… Na verdade tento pensar mais ao escrever.

Por quê?
Porque na medida que fico mais velho, quero que as palavras signifiquem mais. Não sei se tenho sido bem sucedido nisso, mas penso muito mais sobre o que escrevo, diminuí muito o ritmo. Costumava escrever sobre 12 desfiles por dia, agora é tipo 3 ou 4. Eu era uma máquina, e não era bom pra mim. 

Esse movimento de pensar mais e escolher melhor as palavras é uma coisa sua ou você acha que…
É minha. [Longa pausa] Sinto a moda como um reflexo da sociedade que é vastamente depreciado. E não penso em mim como uma pessoa da moda. Só quero que as outras pessoas vejam porque amo a moda. Quero que as outras pessoas apreciem o que a moda pode nos contar sobre o mundo em que vivemos. E me sinto muito atraído por isso. Isso é algo que tem se tornado cada vez mais importante pra mim e estou mais consciente disso, querendo informar pras pessoas o porquê de eu gostar de algo. Ou o porquê de eu não gostar. E na maior parte do tempo, não quero escrever sobre o que não gosto, e sim sobre o que gosto porque isso me parece mais… válido? O mundo é uma privada gigante de negatividade e meu desejo é dar descarga nisso tudo com pensamentos otimistas. 

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O que você achou da última temporada [de primavera-verão 2018]?
Não achei que foi uma boa temporada, mas me diverti. Realmente gostei de cobrir, mesmo com estilistas que adoro me decepcionando. Senti uma passividade. Não em todos, também vi estilistas que não estavam indo bem e subitamente fazendo um trabalho fabuloso novamente. Mas pairou no ar uma espécie de resignação estranha. E acho que em todo o mundo, no geral, toda a paixão que as pessoas sentem pra fazer as coisas melhorarem… Nada está melhorando! Tudo parece ficar pior, e pior… Elefantes continuam em processo de extinção, gays estão sendo empurrados de volta pra guetos gays, as vidas dos negros segue não importando! Isso me deixa louco! Estamos conscientes do que precisa acontecer, mas não acontece. As pessoas que controlam as coisas são uns fodidos malditos, preferem escolher um bilhão de dólares em suas contas de banco amanhã de manhã a ter um mundo onde seus netos seriam mais felizes, daqui 30 anos… De qualquer forma, deixando essa raiva de lado, gostaria que a moda mostrasse a sua cara pro mundo, nos lembrando de estimar criatividade, o momento, a beleza, nos lembrando que podemos encontrar respostas nos mais inesperados lugares.

Existem marcas que estão fazendo isso hoje?
Sim. Rick Owens, o que quer que você pense sobre as roupas dele, é um lembrete disso. Uma resposta pro que tem acontecido, e um jeito de transformar essa resposta num modo de vida. Não necessariamente sendo ecoconsciente, mas abrindo a mente, aceitando o jeito que a vida te prega peças. Também tem a Gucci, um lembrete fabuloso dessa júbilo do inesperado: nunca feche sua mente pra nada. E o ressurgimento da Prada é um maravilhoso exemplo de como um estilista pode se reengajar.

Um ressurgimento?
Não é uma retomada comercial. Mas acho que ela [Miuccia Prada] voltou a se comprometer com a marca. O compromisso dela com a arte é inspirador, a exposição da Fondazione Prada na Bienal de Veneza [em 2017] é inspiradora. 

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Existe um tema cada vez maior da “morte das tendências”. O que você acha, elas morreram?
É porque tudo existe simultaneamente agora. Significa que a moda não é mais uma ditadora. Existiu um tempo em que as tendências eram muito ditatoriais, do tipo “é assim que você vai se vestir nessa temporada”, mas isso lá atrás, há 50 anos. As pessoas decidem por si hoje em dia, e lamento que isso signifique que as pessoas hoje se vistam como… cifras. Todo mundo se veste desgraçadamente igual. Nos anos 80, e não estou sendo nostálgico, é uma constatação, mas naquela época você andaria pela 5th Avenue e veria pessoas usando Claude Montana. Existia uma alegria, um culto que celebrava a moda. Isso não existe mais, agora todo mundo quer ficar igual. Eu poderia acionar o meu lado conspiratório e dizer que deve haver um complô; mas pensando por outro lado, numa cidade como Londres, onde o estilo é uma arma, você tem Charles Jeffrey [da marca Charles Jeffrey Loverboy], Craig Green… Pessoas que ainda apreciam as roupas como uma declaração de individualidade. O que aconteceu com a individualidade é que pessoas vivem como indivíduos online e em suas mentes, mas na vida real elas só querem uma porra dum agasalho de moletom, um jeans entediante e sei lá mais o quê. Mas tudo vai mudar, tudo muda. Gucci é uma revolução e não é totalmente apreciada; ela dá tudo, essa mistura esquisita de dragões, gatos, cobras, discos voadores, corujas; se você quiser umas botas com disco voador e coruja, pronto, aí está. Quando eu era um glam rocker, tínhamos que fazer nossas próprias roupas nos anos 70, e essas roupas da Gucci são as que nós sonhávamos em ter. 

Mas você acredita que a revolução virá de grandes marcas?
Bom, as marcas trazem liderança. E não existem outras marcas fazendo o que a Gucci faz. Armani não está fazendo isso… Calvin [Klein] está mais ou menos fazendo com Raf [Simons], mas ainda não sabemos o que vai acontecer por lá. De onde vem a liderança cultural hoje? E de onde vinha? Bom… se Hollywood se aprumasse… É uma pergunta interessante…

Veio do que você falou de Montana, nos anos 80, e teve Vivienne Westwood nos anos 70… 
Mas era pequeno, sabe? Charles Jeffrey, por exemplo, faz exatamente desse jeito que todo mundo fez antes. Uma boatezinha, todo mundo com seus lookzinhos, totalmente underground…

OK, então mudando a pergunta: você acredita que uma marca pequena hoje pode fazer uma revolução e crescer, como aconteceu antes?
Não acredito, porque a natureza delas é se direcionar pra um nicho. É muito nichado pra criar uma revolução de consciência de massa. Não sei mais ao que o comportamento de colmeia responderia, porque tudo é tão fragmentado. Pense o quanto a cultura pop costumava ser unificada. Nunca mais teremos um álbum que venda zilhões de cópias. Estamos numa transição. Sinto que tudo vai ser diferente, tipo amanhã. Quando você tem algo como o EMP (pulso eletromagnético) que os norte-coreanos poderiam explodir em um dispositivo nuclear acima de algum lugar na América do Norte e erradicar toda comunicação digital e eletrônica dos EUA, trazendo uma nova era das trevas com apenas uma bomba no lugar certo… Tudo o que fizemos foi nos deixar monstruosamente vulneráveis. Tudo que somos agora é esse incidente a acontecer, até onde sei. E a moda é Salomé na dança dos sete véus, nos colocando em transe, nos seduzindo, apontando o que é importante mas ao mesmo tempo nos dirigindo a outras coisas que não são importantes.

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Você acha que a moda nos faz pensar mais ou nos faz sonhar, é escapista?
É uma resposta individual. É como arte. Tem gente que poderia caminhar pela National Gallery, ou pelo Museo del Prado, ou pelo Metropolitan Museum, e nenhum deles os tocaria em nível algum; e outras pessoas têm um orgasmo quando vêem uma obra de arte pela primeira vez. As pessoas nunca vão te decepcionar e sempre vão desapontá-lo. 

O que você acha do movimento de makers, pequenos produtos locais de moda, marcas independentes?
Inevitável. As pessoas querem comprar LPs, livros. Estamos com enjôo de tecnologia. 

Qual vai ser o impacto disso?
No decorrer de um par de décadas? Olha, é como um crachá de um rebelde, mas num nível bem pequeno. Foco no longo prazo, posso ver a moda virar costureiros e alfaiates: você vai num ateliezinho de costura com o tecido… Vão existir as duas coisas [o grande varejo e o ateliê] em paralelo. A grande questão é maior: você não quer mais ostentar pro mundo, você quer ter algo sobre o qual só você sabe. Isso está conectado ao fenômeno see-now buy-now: dá pra ir na H&M pra comprar uma cópia ou comprar o original, que foi bordado à mão, aquela peça que leva 9 meses pra ficar pronta… e você aprecia isso. E você realmente não liga sobre o que os outros pensam sobre isso, pois isso é pra você. A noção do prazer privado foi sumindo no mundo. É meio século 19, assim como houve uma resposta a revolução industrial naquela época, há uma resposta pra revolução digital no século 21. Imagine uma caixa lilás com perfume de sândalo que você encontra enquanto está sentado nesse cômodo com esse robe de seda que foi tecido por artesãos em Quioto que tem feito isso por mil anos e que fazem um robe por ano… É um nível extremo de conhecimento, de connoisseurship. Livros encadernados só pra você…

Mas você está falando de luxo. E os makers que, por exemplo, vendem objetos com informação de design mas com preço competitivo?
Mas luxo não tem a ver com preço.

Sim, mas você estava falando de um robe exclusivo de Quioto…
Certo, em alguns casos o luxo obviamente é caro. Mas sabe do que mais? Luxo tem a ver com imaginação, com curiosidade… Ver pessoas que não são curiosas me deixa doido. A coisa mais valiosa que você pode ter, sua arma contra o mundo, é a sua curiosidade. Faça perguntas, nunca pare. Estamos presos numa era em que ninguém faz perguntas. Mas acredito que numa era pós-informação, crianças começarão a questionar. Essa iGen [a geração pós-millennials] vai vomitar. Se você disser pra essa turma que vão usar o iGen como estratégia de marketing, eles vão atirar em você. Ou melhor, vão esfaqueá-lo com um punhal feito à mão. (Risos)

E eles vão achar esse punhal por muito pouco na internet! (Risos)
Não, eles não achariam na internet, eles iriam até um homem no meio da floresta, viveriam em uma cabana por um bom tempo esperando que ele produzisse o punhal especialmente pra ocasião… Com metal que veio da Bavária… O tatatatatataravô dele que trouxe da Bavária…

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