Cartier, 150 anos

16.06.1997

A marca da pantera completa 150 anos este ano. Além da abertura da loja em São Paulo, as comemorações acontecem em grande estilo no circuito internacional. Nova York assiste até agosto a exposição “Cartier 1900-1939” no Metropolitan Museum, que segue em outubro para o British Museum em Londres. O cinquentenário do festival de Cannes, em maio passado, teve amplo patrocínio da Cartier. Pela primeira vez, a Palma de Ouro (prêmio máximo do evento) foi feita com sólido ouro 18 e atrizes como Isabelle Adjani, presidente do júri, Jeanne Moreau e Gong Li apareciam em cena com reluzentes jóias Cartier, procurando recuperar um glamour hollywoodiano.

Desde a sua fundação pelo ourives Louis François Cartier (1819-1904), em Paris, a marca soube associar sua imagem a bons meios de divulgação como moda, cinema, arte e realeza _no começo deste século, Cartier chegou a ser a jóia oficial de 15 coroas, da Rússia à Espanha, da Grécia à Índia. Já em 1859 ele estabeleceu sua primeira parceria, junto ao costureiro Charles Worth, considerado pioneiro da alta-costura. Tecidos nobres se casaram tão bem com pedras preciosas que a união acabou se estendendo a laços familiares: a neta de Worth se casou com o talentoso neto de Cartier, Louis-Joseph, primogênito do filho Alfred, que assumiu a marca em 1874.

O príncipe de Gales, futuro rei Eduardo VII da Inglaterra, está entre seus primeiros clientes da nobre realeza e dizia: “Cartier é o joalheiro dos reis e o rei dos joalheiros”. Graças às jóias usadas em sua coroação, Alfred Cartier acaba abrindo no mesmo ano de 1902 a primeira loja em Londres, expandindo os negócios para o exterior. Nove anos mais tarde, é a vez de Nova York, onde ele negocia com o proprietário do ponto em que se instalou a troca da casa por um colar de duas voltas de pérolas orientais, avaliado em US$ 1 milhão. Cada loja era administrada com autonomia por um de seus três filhos (Louis, Pierre e Jacques) e as jóias tinham design específico para aquele mercado.

Louis inovou ao substituir o ouro e a prata pela nova platina, tornando a armação praticamente imperceptível para valorizar os diamantes e o estilo Guirlanda, que ele desenvolveu em reação à onda art nouveau. Atento ao modernismo emergente e ao surgimento do cubismo, ele lança jóias mais geométricas para acompanhar as mudanças também do vestuário que, entre outras novidades, abolia o uso do corset e lançava o cabelo à garçonne.

Para atingir o afortunado mercado russo, antes da Primeira Guerra, Cartier contrata um artesão local e lança peças em forma de flores e animais, como serpentes, zebras, panteras e crocodilos, competindo diretamente com Carl Fabergé, célebre por seus valiosos ovos de Páscoa. Em 1933, a pantera vira o animal fetiche de Cartier. Quinze anos depois o duque de Windsor oferece à sua amada Wallis um broche de pantera talhado em uma esmeralda de 116,74 quilates, que ganha versão de safira de 152,35 quilates um ano mais tarde.

A pedido do amigo e aviador brasileiro Santos Dumont, Louis Cartier desenvolve um novo tipo de relógio, o relógio de pulso, em 1904, com pulseira de couro. Embora não fosse considerado elegante, era extremamente prático. Ainda neste segmento, Cartier fica fascinado também pelo modelo batizado de “mistery clock”, opulente relógio de mesa feito de cristal de rocha, topázio ou aquamarinha, que ganhou status de jóia verdadeira. Os “mistery clocks” tinham fortes referências da cultura japonesa e chinesa, como de resto todo o trabalho de Cartier, bastante influenciado pelos países do Oriente, incluindo Índia e Bali. O Egito ganhou evidência com a descoberta da tumba de Tutankamon, em 1922 e marcou a fase art decó do joalheiro. Ao lado de preciosos rubis, esmeraldas e diamantes, ele colocava jade, coral, ônix e madre-pérola. Essa mistura de cores e brilhos ganhou o apelido de tutti-frutti.

Já no cinema mudo há registros de jóias Cartier, como o relógio Tank usado por Rodolfo Valentino em “The Son of the Sheik” (1926). Mas Hollywood fez grandes investidas e homenagens à marca. Entre outras aparições, estão a de Gloria Swanson em “Sunset Boulevard”, Marylin Monroe murmurando “Car…tier” em “Os Homens Preferem as Loiras”, Mia Farrow em “O Grande Gatsby” e Candice Bergen e Jacqueline Bisset em “Ricas e Famosas”.

A paixão por jóias extrapola as telas em casos memoráveis como o de Elizabeth Taylor, que chegou a ganhar coleções Cartier inteiras de seu mais duradouro marido, o ator Richard Burton – o auge foi o diamante em forma de pêra de 69,42 quilates em 1969. As jóias usadas por Grace Kelly em seu último filme, “Alta Sociedade”, foram presente de seu futuro marido, o príncipe Rainier de Mônaco, assim como o colar e a coroa usados por ela no dia de seu casamento. O poeta multimídia Jean Cocteau admirava tanto o trabalho da grife que Louis criou um anel exclusivo para ele, hoje conhecido como aliança Cartier: três alianças entrelaçadas de três ouros diferentes – ouro branco (amizade), ouro amarelo (fidelidade) e ouro vermelho (amor).

A simplicidade e perfeição da aliança Cartier se refletem também no prédio da Fundação Cartier, criada em 1984 para incentivar a arte contemporânea e cujo projeto do arquiteto Jean Nouvel foi inaugurado há três anos no boulevard Raspail, em Paris.

A exposição em cartaz em Nova York, “Cartier 1900-1939”, traz mais de 200 peças executadas no período mais promissor da marca e vale a visita. São colares, relógios, pulseiras, cigarreiras e porta-maquiagem (“vanity case”) – um dos itens mais identificados com a Cartier -, documentados no catálogo-livro da mostra.

A administração familiar superou duas guerras mundiais e durou até o final dos anos 60. Hoje, a marca está presente no mundo inteiro, seja com lojas próprias ou multimarcas, comercializando tanto canetas e isqueiros quanto colares e até coroas.

Lilian Pacce para O Estado de S. Paulo

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