A fotógrafa Tierney Gearon

30.03.2002

Enquanto Vanessa Beecroft apresenta o resultado de sua performance de nudez multirracial na Bienal de São Paulo, cerca de mil pessoas estão recebendo esta semana o novo catálogo da marca Spezzato, assinado por outro nome polêmico da fotografia contemporânea, a americana Tierney Gearon.

Tierney é uma revelação recente no mundo das artes. Depois de trabalhar 5 anos como modelo na Europa, ela mostrou suas polaróides para um agente que a incentivou a se dedicar à fotografia. O caminho natural foi a fotografia de moda e ela passou a fazer editoriais para revistas como a inglesa “i-D“. Mais 5 anos se passaram, Tierney se casou e teve 2 filhos: Emilee e Michael, de 8 e 5 anos. O divórcio veio logo depois e foi graças à crise pessoal que Tierney acabou dando conceito ao seu trabalho. Passou a fotografar seus próprios filhos e sua família em cenas domésticas e caiu nas graças de um dos maiores colecionadores do mundo, Charles Saatchi, que a convidou a participar da exposiçãoI Am a Camera“, realizada ano passado em Londres na Saatchi Gallery.

As fotos mais representativas – seus filhos brincando com máscaras, geralmente nus – são as que causaram a maior polêmica. A polícia acabou invadindo a exposição e tentou proibir as fotos alegando pornografia. A imprensa e a comunidade artística imediatamente reagiram em apoio à obra de Tierney: “No final, o caso foi esquecido porque muitas pessoas influentes expressaram sua opinião na imprensa, mostrando o absurdo da situação”, conta ela nesta entrevista exclusiva ao Estado.

A polêmica ocupou as páginas dos principais jornais ingleses e americanos e Tierney teve que se defender. Segundo ela, sua intenção era apenas reunir material suficiente para um livro sobre a vida em família. “Não imaginava que alguém fosse se interessar por elas, a não ser daqui a vinte anos. Mas quando Charles Saatchi as viu, ele fez com que se tornassem o epicentro da exposição”, diz.

A família toda foi ao vernissage – seus filhos, seu irmão e seus pais – e, segundo ela, nenhum deles jamais se sentiu incomodado com as imagens. “Quando a polêmica começou, meus filhos não conseguiam entender o por que e também não entendiam por que seus genitais apareciam sob tarja preta nos jornais”.

A ação da polícia acabou promovendo ainda mais o trabalho de Tierney, antes restrito a revistas mais conceituais como a holandesa “Dutch” e a “i-D” – hoje ela também faz editoriais para revistas do establishment como a “Vogue” francesa. Reestabelecida das acusações, passou a ser requisitada pelo mercado publicitário e a assinar várias campanhas como as das marcas americanas Kate Spade e Perry Ellis, sempre transpondo o universo familiar para o mundo da moda. “Como artista, isso foi bom, mas eu não pretendo ser lembrada como a mãe que tira fotos nuas de seus filhos”, declara. “Não vejo nada de sexual nas minhas imagens, muito pelo contrário, e talvez seja isso que intrigue tanto as pessoas”. Tierney conta que é durante as férias escolares que tem tempo para realizar seu trabalho pessoal, sempre de maneira livre e espontânea. “Passo longos períodos sem fotografar”, diz.

Na verdade, antes da exposição ela havia se afastado do mundo da moda: “Eu queria aprender coisas novas e que tivessem sentido, pelo menos que tivessem algum sentido para mim”. Diplomata, diz que não acompanha moda e por isso não conhece a moda brasileira, apesar de conhecer bem o Brasil: “Estive 12 vezes aí quando namorei um biólogo brasileiro 15 anos atrás. Olinda é meu lugar preferido”.

Graças às fotos expostas na Saatchi, o próprio mercado passou a requisitá-la naquilo que ela mais gosta de fazer. E é exatamente esse espírito que aparece nas fotos do catálogo de inverno da Spezzato, clicado em um hotel em Nova York com a amiga Audrey Lindvall, irmã da top Angela. “Retomei meu trabalho comercial no ano passado, quando voltei a me sentir à vontade com a câmera e vi que as pessoas gostavam de trabalhar comigo.”

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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