O cara do “Not Just a Label” fala a real pros jovens estilistas

10.06.2018

Durante a Wired Conference Retail, conferência da Globo Condé Nast que rolou em SP no último dia 6/06, uma das palestras mais inspiradoras foi a de Stefan Siegel, o nome por trás do Not Just a Label, site conhecido por ser um grande banco de dados de novos estilistas do mundo todo. A gente aproveitou pra conversar com ele sobre esse momento disruptivo com questões emergenciais como sustentabilidade e avanços da tecnologia. Confira!

Você veio ao Brasil antes faz cerca de 4 anos. Como a sustentabilidade e a tecnologia mudaram o mercado, especialmente pra novos estilistas, de lá pra cá?
Mudou tudo. Da tecnologia, tem o mau uso da rede social. Acho devastador, não tanto pra estilistas, mas pro pessoal mais jovem que tem desenvolvido um vício consumista e uma espécie de irracionalidade nisso.

Existe uma pesquisa que diz que a geração mais nova está querendo usar a roupa apenas uma vez, porque já a mostrou nas mídias sociais e assim não quer mais aparecer com ela [essa pesquisa é uma das inspirações do projeto da Lilian #1lookporumasemana]. 
Isso, coisas desse tipo. Acho importante que os estilistas novos não embarquem nessa pra promover suas marcas. As influências das tendências de publicidade não vão sumir, mas é preciso pensar com cuidado nas estratégias. E em termos de sustentabilidade, existe o lado do consumidor exigindo algo que seja feito de maneira ética, mas ressalto principalmente que o consumidor se sente separado, desligado da maioria das marcas que ele costumava comprar. Acho que é nisso que as marcas de luxo estão naufragando. 

Por que elas se sentem desligadas?
Colocando de maneira simples, deixou de ser bacana comprar algo da Louis Vuitton. É muito mais legal ir pra um Airbnb na praia com seus amigos, fazer uma massagem, um curso… Experiências são legais, e nada do que tem no mundo do luxo está empolgando os millennials atualmente.

Veja também: algumas taças de vinho com o jornalista Tim Blanks

Uma palavra-chave que todo mundo vem usando é propósito. E na moda, propósito é uma palavra que pode ser polêmica pra alguns, principalmente no que diz respeito a sustentabilidade.
Moda e sustentabilidade são um paradoxo; provavelmente propósito e moda também são. O único jeito de progredir é diminuindo o consumo, pensando no que realmente precisamos. Ainda acredito que um produto bem-feito que não viajou ao redor do mundo por 15 vezes antes de chegar até você, que tem um preço justo e não polui o oceano quando você o lava – esse tipo de produto ainda encontra demanda. Mas precisamos diminuir o ritmo, espero que isso aconteça logo.

Pelo que você está dizendo, parece que o mundo mudou e a mudança no consumo é uma consequência.
Sim, mas acho que a moda perdeu esse trem. A gente chega a dar risada quando percebe que uma loja de uma marca de luxo que fica aqui [em SP] parece igual àquela outra da mesma marca no aeroporto de Houston e também àquela da Bond Street de Londres… E se você olhar a paisagem digital de hoje, com todo mundo se filmando e publicando, tem alguém fazendo selfie na Prada de Hong Kong mas poderia ser na Prada do Rio. Então qual é o ponto [em fazer essa selfie]? A experiência não está lá. E os produtos são todos os mesmos. Essas marcas funcionam com enormes cadeias de abastecimento, são como um petroleiro; elas sabem que precisam mudar, mas elas conseguem virar um ou dois graus a cada ano, enquanto deveriam dar um giro de 180º e ir pro outro lado. É por isso que marcas independentes e jovens têm todo o poder hoje. Vamos supor que uma delas tem 5 lojas e chega à conclusão que isso não funciona mais: ela simplesmente fecha as 5 lojas e trabalha apenas com digital, ou apenas com trunk shows, que é a coisa quente nos EUA agora. As marcas fazem trunk shows, e possuem uma operação de varejo que abre apenas uma vez por mês, fazendo a mesma quantidade de dinheiro que outra que tem loja aberta o mês inteiro. E sem gastar com aluguel, contratação de vendedor etc. 

Veja também: o projeto artístico que questiona o consumo na era do fast-fashion

Quais seriam as primeiras dicas que você daria pra um estilista novo?
Parece cafona dizer pra ser original, mas… Bom, com certeza o mundo não precisa de marcas novas. Então, se você for começar agora, precisa se fazer uma pergunta bem difícil: “O que tenho a dizer pro mundo que ninguém ainda tenha dito?” Se um estilista vier, por exemplo, de Fortaleza, não há tantas marcas novas aparecendo de lá, e um cliente norte-americano não conhece marcas cearenses. Então ele pode ter algo a dizer pra esse cliente – isso é original. É importante também que o jovem estilista tenha em mente que não vai mais existir a nova Armani ou a nova Chanel. É como na música; não vai existir outro Michael Jackson, mas existem várias bandas indie bacanas que podem acontecer, e se acontecerem vão até um certo ponto e não até o ponto do Michael Jackson. Tem gente que vem me perguntar: você acha que preciso de uma loja física, ou de uma assessoria de comunicação? Respondo que se a pessoa é capaz de acordar de manhã, fazer o que gosta durante o dia, dormir de noite, ter certo lucro e talvez contratar duas ou três pessoas… A missão está cumprida. É lindo fazer o que a gente quer. Se você mudar pra Paris, conseguir investidores e começar com esse ritmo de quatro coleções por ano, e depois oito… talvez tudo deixe de ser divertido.

E tem esse projeto da semana de moda de Berlim no qual a NJAL está envolvida, com diversas experiências. Mas não tem desfile?
Não.

E você acha que esse é o futuro? A passarela morreu?
Você que me diz! (Risos) Um dia desses estava em algum lugar e passei por uma TV ligada, estava passando Fashion TV e eu nem sabia que isso ainda existia! (Risos)

Mas ainda acontecem desfiles que interessam. Geralmente não são de marcas grandes, mas acontecem. Não?
Não quero dizer que passarela é a forma errada de mostrar a moda hoje, o que é importante ressaltar é que não existem mais regras. Se você decidir desfilar, faça um desfile incrível. Mas essa regra que um estilista tem que desfilar em Paris, com custos que chegam fácil em € 15.000 (cerca de R$ 65.500)? Ela não existe mais, e acho isso ótimo. A Chanel segue fazendo seu desfile terça de manhã, acho bom se eles conseguem continuar se comunicando dessa forma. Na verdade até eles sofrem, as últimas temporadas foram algo meio “quantas vezes a gente ainda consegue transformar o Grand Palais em algo além?” O último desfile bom que fui foi o de uma marca doida de Los Angeles, eles convidaram pra uma boate esquisita da cidade, que é mais como um clube social pra travestis, e colocaram travestis do local usando as coisas da marca; você podia jogar sinuca e ping-pong enquanto elas andavam pela boate. Uma mistura de festa com desfile, foi muito divertido e vai ficar na memória das pessoas. Desfile não é ruim por si só, mas você tem que fazer algo com ele.

Tags:                  

Compartilhar