Ilha Concreta em SP

17.09.2016

Movimento artístico caracterizado pela pureza das formas e pela exatidão do contorno, o concretismo cubano está presente pela 1ª vez no Brasil na Dan Galeria em SP. A mostra “La Isla Concreta“, com curadoria de Osbel Suárez, ex-Museo Reina Sofia, reúne 48 obras de 11 artistas – é o grupo original Diez Pintores Concretos mais José Rosabal, que substituiu Pedro Álvarez em 1960. Bem atuantes nos anos 50, antes da ascensão de Fidel Castro ao poder, os cubanos concretistas chegaram a participar de 7 edições da Bienal de SP. Apesar disso, no catálogo da expô, Suárez lembra o quanto a pintura geométrica da ilha chegou a quase desaparecer e ainda hoje é um dos capítulos menos conhecidos da abstração latino-americana. Contrariamente ao concretismo brasileiro, o movimento concreto cubano não tem diálogos com a fotografia experimental nem poesia ou arquitetura. A única exceção é Clara Porset, espécie de Lina Bo Bardi cubana, que foi pioneira do Desenho Industrial. A gente conversou com o curador pra saber mais sobre essa história – confira:

Osbel, você é cubano e é o curador desta exposição. Como o concretismo cubano apareceu no seu trabalho de curadoria?
Sou cubano mas vivo em Madri há 26 anos. De alguma forma, minha vida e meu trabalho estão divididos entre uma parte e outra do Atlântico! E essa história da arte cubana concreta vem de muitos anos atrás. Em 2003, quando eu trabalhava no museu Reina Sofia, fiz uma exposição que se chamava “Los Cinéticos” que veio pra SP no Instituto Tomie Ohtake. Nela eu já estava explorando as relações cruzadas do cinetismo latino-americano e europeu. E ali, quase de maneira fugaz, incorporei a obra de um concreto cubano, Sandu Darie. Os anos se passaram e em 2011, fui o curador de uma exposição na Fundação Juan March de Madri que se chamava “América Fria: La abstración geométrica en Latino américa (1934-1973)“. Ela pretendia fazer esse percurso em um período do século 20 em volta da abstração geométrica latino-americana. Pela 1ª vez existiu um capítulo dedicado ao concretismo cubano em uma exposição internacional de peso. Esses são os dois momentos que me levaram a fazer essa exposição de agora!

Você foi curador do museu Reina Sofia e também curador-chefe da fundação Cisneros-Fontanal. Como você escolhe os artistas com os quais trabalha?
Não sei… Acho que tudo começa com um flash. Algo que te chama a atenção, que tenha um alto nível de sedução, mas que te instigue a buscar as razões de peso que justifiquem o trabalho, e a partir daí começa um estudo. É como uma relação de um casal: no começo a capacidade de seduzir é enorme, você vai descobrindo coisas até que você tenha uma ideia formada daquela pessoa… Depois disso você pode escrever sobre ele, organizar, justificar, criticar e inclusive até esquecê-lo! São amores transitórios, inclusive no campo da curadoria!

E pra escolher as obras dessa exposição na Dan Galeria? Qual foi o processo?
O grupo é muito pequeno, eram 10 pintores concretos. Além disso não existe uma obra excessivamente grande entre eles, é um período muito reduzido. Então foi muito fácil fazer uma seleção. Todas as obras são de coleções privadas.

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Qual é a sua visão sobre o concretismo cubano e sua importância na cena artística local e global?
Acho que ele tem sua importância como qualquer outro movimento, porém o concretismo brasileiro e argentino são muito mais reconhecidos pela crítica e valorizados no mercado. Os cubanos, durante muito tempo, foram esquecidos pela falta de apoio institucional. A revolução cubana apoiou a arte mais veiculada à figuração porque a abstração não os interessava como discurso. Os cubanos concretos viveram um esquecimento de mais de 50 anos, que acabou com um resgate dentro e fora de Cuba nos últimos tempos. É essencial recolocar no seu justo lugar um grupo de artistas que, contra ventos e marés, fizeram uma arte que não foi entendida na sua época.

Talvez tenha sido mais fácil pros argentinos já que muitos deles, como Julio Le Parc, estavam em Paris naquela época…
Também haviam cubanos em Paris, como Loló (Dolores Soldevilla Nieto), que era a líder do grupo e criadora da galeria de arte Color-Luz em Havana, durante a 1ª metade dos anos 50. Darie foi membro do grupo Madí [de Buenos Aires] liderado por Gyula Kosice, inclusive com uma grande correspondência de 1949 a 1958, o que veicula a geometria cubana ao nível continental. Não foi um movimento isolado no seu início, eles vinham com frequência à Bienal de SP. O casal Lolo e Pedro de Oraá fizeram exposições em Caracas, levaram mostras de arte europeia pra Havana com os contatos de Lolo. Foi um movimento com poucos anos de vida já que, como grupo, foram só 3 anos juntos.

Só três?
Sim, a galeria teve que fechar, entre outras coisas, porque a propriedade privada foi proibida em Cuba.

Muitos dos artistas que estão nessa exposição estavam presentes nas sete 1ªs edições da Bienal de SP. Hoje estamos na 32ª Bienal: você acha que o evento ainda tem impacto sobre a cena artística cubana como teve no passado?
Certamente sim, apesar de vivermos em um mundo “bienalisado”. Não há uma cidade hoje em dia que não se gabe de ter uma Bienal de Arte. A de SP tem uma importância específica, pros latino-americanos tem uma importância definitiva, e além disso é o evento artístico mais velho do continente, pelo qual sempre se espera. Não penso se ela tem mais ou menos repercussão hoje; talvez tenha sido mais questionada nas suas últimas edições mas acho que é uma empreitada cultural pela qual todos devemos torcer.

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Cuba está num momento efervescente com galerias de fora abrindo no país, como a Galleria Continua, e também teve a recente e bem-sucedida 12ª Bienal da Havana. O país aberto atrai também colecionadores e outros galeristas…
Acho que essa boa repercussão é importante pro país. Mas a abertura do país ainda é muito relativa; a existência de uma galeria cubana ainda é proibida e se um estrangeiro chega, como é o caso da Galleria Continua, ele pode abrir uma galeria. Essa contradição é dificilmente justificável.

“La Isla Concreta – Abstração Geométrica em Cuba”
Até 15/10, de segunda a sexta das 10h às 19h; sábado das 10h às 13h
Dan Galeria: r. Estados Unidos, 1638, Jardim América, SP
(11) 3083-4600
Entrada gratuita

Carolina Cataldi Pedrosa, infohunter do site Lilian Pacce

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