O utilitário-renascentista de Reinaldo Lourenço

03.02.2002

A coleção utilitária-renascentista do estilista Reinaldo Lourenço foi o grande destaque do último dia da São Paulo Fashion Week, que mostrou 25 desfiles para o outono-inverno 2002 durante 5 dias no prédio de Bienal. Reinaldo gosta de ser moderno e o prazer de exercitar sua criatividade rascunhando o futuro transparece em cada look do desfile. Seu inverno dá continuidade ao elaborado trabalho do verão (dos bordados de sutache e das placas de metal sobre calças e vestes de algodão lavado) ao mesmo tempo que mergulha numa pesquisa renascentista que ele funde a elementos utilitários e esportivos.

Reinaldo consegue dar elegância a um enorme mochilão da mesma cor da roupa (cinza-preto, marfim, azul-claro), usado sobre modelos de manga mouton que, seguindo o estilo da época renascentista, pode se soltar da roupa por lacinhos ou botões de pressão. Consegue ser delicado até nos ricos bordados que aplica às golas altas e aos casaquinhos tipo tapeçaria, valorizando o artesanal num novo olhar de luxo que também trabalha malhas hi-tech em formas mais amplas e volumes drapeados.

Ronaldo Fraga inova mais uma vez na forma de apresentar e questionar a moda. Lança sua coleção “Corpo Cru” com convite que vem em bandeja de isopor com uma foto de carne crua. Na passarela, em vez das curvas vivas das modelos, uma estrutura de ferro com roldanas faz passar manequins de madeira com as roupas da coleção. Uma coleção com as cores da pele e da carnecrua, cozida ou torrada –, aplicações e estampas de peitos, células e sangue.

Na platéia, o diretor de teatro Gerald Thomas se deleita com o inusitado. E até quando as roldanas emperram, Fraga dá sorte. A falha cria uma coreografia ruidosa, de vaivém, ao som de um tango argentino. Mas a elaboração das roupas é silenciosa. Modelagens simples, formas evasê e mangas 7/8 que apagam de fato o corpo que pretendem cobrir. A vaidade de Fraga e de sua cliente é intelectual, consciente de que o mundo “não precisa de mais um coleção ou um desfile”, embora saiba que um dos grandes papéis da moda é refletir uma época e é por isso que não vivemos sem ela.

André Lima trabalha em outra esfera, a do corpo em si, da mulher sensual que no fundo é uma romântica à moda antiga, que se tranca no quarto para ouvir o que se chamava de música de fossa, como os hits de Roberto Carlos ou Elis. Seus vestidos de cetim trocam o viés pelo corte reto, com babadinhos ou renda, sob casacos de veludo cotelê ou jeans. Boas as flores recortadas sobre os vestidos, a estola-casaco de lã com plumas e a camiseta com a foto da própria Coco Chanel. Já a estampa do colar de pérolas, apesar da alusão à mademoiselle Chanel, hoje é Cacharel demais.

Lino Villaventura continua um craque no trabalho artesanal, seja no tecido com quadradinhos de cristal da calça ampla, seja nos bolerinhos feitos em tear manual, quase sempre em preto ou branco, com um pouco de marrom, vermelho e vinho. Seu estudo de leques – da forma semicircular às dobraduras e nervuras – encontra o equilíbrio nas delicadas camisas transpassadas. Boa a beauty à Frida Khalo.

A jovem Carlota Joaquina vem relaxada, brincando com franzidos oversize em macacões e calças saruel-street, túnicas à Robin Hood, ponchos, pelerines e amarrações sobre botas. Em rosê, cinza e bege, ela aplica pássaros ou borda borboletas em falsos ponchos em tecidos leves que imitam o feltro.

Modabytes

@ Radicado em Nova York, o fotógrafo Vavá Ribeiro assina novamente a próxima campanha da Ellus, que está sendo clicada numa fazenda perto de São Paulo e tem a escritora Fernanda Young como musa. Vavá é um dos nomes que está despontando lá fora e seu trabalho ganhou exposição na badalada Colette, de Paris, no final do ano.

@ Agora em carreira-solo, Carlos Ferreirinha, grande responsável pela bem-sucedida performance da luxuosa Louis Vuitton no Brasil, está articulando projetos com a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil) e com o estilista Fause Haten, além de investir na parceria com o estilista carioca Carlos Tufvesson. O trunfo de Ferreirinha é conhecer tão bem o mercado interno quanto o externo.

@ Depois do DJ francês Michel Gaubert, Reinaldo Lourenço desenvolveu a trilha de seu desfile com o produtor musical e DJ Giancarlo Lorenci, da Trama, mixando rock’n’roll e música medieval, com cítaras e instrumentos de época. Outra boa parceria de Reinaldo foi com a vodca Absolut, que criou uma passarela especial de acrílico rosa espelhado.

@ Para não atrapalhar a animação da festa no terraço da Bienal, Alexandre Herchcovitch entregava um cadeado com chave para cada comprador do livro sobre sua trajetória que ele está lançando pela Cosac & Naify. O autógrafo era uma coleção de carimbos com “valores” que ele preza: dinheiro, família, saúde, diversão e muito mais.

@ Assíduo na cobertura dos desfiles internacionais, o fotógrafo Fernando Lousa descontraiu a platéia do desfile de Fause Haten com “avisos” em seu megafone. Em Paris, os italianos são os mais bem-humorados do podium de fotógrafos.

@ A parceria dos estilista com empresas grandes têm rendido bom resultado nas coleções. Prova disso são os brindes da temporada, como o Conga de Ronaldo Fraga, o fio de pérolas de André Lima, a camiseta de Reinaldo Lourenço e a bolsa em jacquard de Marcelo Sommer.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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