Paris Primavera-Verão 2002

11.10.2001

Paris – No final da tarde de domingo, enquanto os Estados Unidos atacavam o Afeganistão, o mundo da moda assistia o manifesto fashion pela paz de Comme des Garçons, a grife da estilista japonesa Rei Kawakubo. O desfile praticamente monocromático em branco e quase-brancos foi realizado no Museu de Arte Moderna de Paris numa sala também branca, com cabelo de papier-marché e make up brancos. Kawakubo, cuja influência no planeta fashion é tão forte e revolucionária quanto a que Chanel teve em sua época, vem leve e confortável, em formas amplas, de macacões-saruels muito soltos. O top franzido no decote remete à tendência camponesa que vem com tudo, mas a mão de Kawakubo é especial o bastante para personalizá-la e urbanizá-la. Sobre essas roupas, ela amarra golas gigantes, saias e vestidos pela metade, de preferência plissados e drapeados, ampliando o volume poético da coleção.

A notícia da reação americana veio em seguida, abalando o esforço otimista de quem se arriscou a vir a Paris para acompanhar a semana de prêt-à-porter que apresenta as coleções para a primavera-verão 2002. O evento é o mais importante do circuito internacional e reúne o lançamento de 120 grifes até o próximo sábado. Se o clima já não era de festa, ficou evidente o temor e o baixo astral no olhar de cada um de nós. Mas o dia ainda não havia acabado e o dever nos chamava para ver a coleção de Martine Sitbon e do jovem Bernhard Willhelm, alemão formado pela escola belga da Antuérpia. Bernhard criou um jardim de luminárias de neon para mostrar uma roupa jovem, de vestido de moletom extra-grande, com muitas referências atuais como a estampa dourada dos dedos em paz e amor, o capuz terrorista que cobre o rosto e o foguete USA. Esse espírito engajado aparece um boa parte das coleções, que procuram de alguma maneira expressar uma mensagem.

Já Martine Sitbon vem bem feminina, com uma coleção que sai do baú de lingerie da vovó, com sua seda em tons de bege e rosê, rendas e bordados, e um pouco do espírito vitoriano nas pequenas vestes. Mas o branco também é tudo para a dupla holandesa Viktor & Rolf que na coleção passada trabalhou sobre sombras e preto. Ao som de um órgão de igreja, as modelos passavam serenas e decididas. Umas a caminho da cerimônia de primeira comunhão, outras do casamento. Chemises de renda e terninhos com botões gigantes mais básicos vão crescendo com laços desestruturados recortados na própria manga ou engomados na gola. Correntes gigantescas de metal com crucifixo cruzam o modelo usado pela brasileira Ana Claudia Michels. A calça de couro é toda recortada com corações e a mensagem que a dupla pretende passar é de bondade.

Outro grande momento foi o desfile do japonês Junya Watanabe, que desde a coleção passada fez uma parceria com a Levi´s. Num clima total de paz e amor, com os fotógrafos cantando em coro o hit de ChicagoIf You Leave Me Now” e as modelos com boca dourada, Junya é puro vintage romântico: desde o jeans lavado/empoeirado em vestidos de babados e muitos recortes pespontados até a mistura de estampas florais tipo Liberty, tudo com carinha de brechó do século 21. No cinto de couro marrom, a mensagem: “Love is Power“.

Outra parceria de sucesso entre um verdadeiro criador e uma marca de grande difusão é a de Yohji Yamamoto com a Adidas. O espírito esportivo que Yohji despertou na coleção passada tem agora toques de boxeur em modelos de cetim usados com tênis tipo babuche com desenhos em relevo. Vestes desestruturadas se abrem nas costas formando tranças do próprio tecido ou formam rolos pesados no decote, forçando para baixo. Saruels são bem-vindos, muitas vezes com coletes tipo quimono. Zen, Yohji estampa mensagens budistas em ideograma japonês para a primavera-verão de 2002.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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