O início da semana de moda de Paris e o final da de Milão

04.03.2002

Osama Bin Laden continua com paradeiro desconhecido, mas sua presença se fez sentir no balanço das vendas da estação que está terminando, principalmente no hemisfério norte. O glamouroso mundo da moda – especialmente grandes conglomerados de luxo como Louis Vuitton Moet Hennessy (LVMH), Gucci e Prada – viu suas vendas despencarem depois dos atentados de 11/09, atingindo o mais baixo faturamento dos últimos anos. E é com esses números na cabeça que os estilistas criaram as coleções para o outono-inverno 2002/2003 que serão lançadas a partir de amanhã em Paris.

Até dia 15 serão 95 desfiles dentro do calendário oficial e mais de 50 paralelos. A temporada começa forte com Christian Dior, Comme des Garçons e Yohji Yamamoto desfilando amanhã. Para os brasileiros, boas notícias. Depois de Alexandre Herchcovitch e Icarius, é a vez de Walter Rodrigues estrear nas passarelas internacionais. O estilista faz parte de um time de quinze nomes mundiais escolhidos para desfilar no Le Petit Palais Lounge, evento que faz parte da semana da moda e é patrocinado pela Lycra/DuPont. Ele vai mostrar a mesma coleção apresentada em janeiro na São Paulo Fashion Week. Além disso, a famosa loja de departamentos Galeries Lafayette abre espaço para 2 produtos genuinamente nacionais: sandálias Havaiana e biquínis e maiôs da Rosa Chá com estampas do artista plástico Romero Brito. Ambos participam da exposição “Amérique Latine“, que acontece até dia 23.

A temporada começa também com um certo bate-boca entre dois grandes nomes da moda internacional. De um lado, a poderosa editora Anna Wintour, da “Vogue” América, pressionou a Chambre Syndicale du Prêt-à-Porter, que organiza o evento, para apresentar os principais desfiles nos 1ºs dias, assim ela e sua equipe podem voltar o quanto antes a Nova York, depois de ter passado por Londres e Milão (leia texto nesta página). Do outro lado, a crítica de moda Suzy Menkes, do jornal “International Herald Tribune“, protestou enviando carta à mesma Chambre em que classifica o calendário como “desumano” não só por sobrepor vários desfiles no mesmo horário como também por prejudicar os novos talentos. “É estranho termos que trabalhar 14 horas por dia justamente no 1º país a adotar a jornada de 35 horas de trabalho por semana”, escreveu. De qualquer jeito, num 1º momento, está prevalecendo o desejo de Anna Wintour, que também sugeriu a concentração dos desfiles em locais próximos ao Carrousel du Louvre para evitar a dispersão no trânsito de um tempo que ninguém tem a perder.

Milão

Miuccia Prada deu mais um tapa com luva de pelica – e muito vestidinho de renda e cetim – nos fashionistas. Enquanto só se fala em folk e ciganas, ela dá uma banana para o sentimento hippie/politicamente correto pós-11/09 e surpreende o mundo com uma atitude explicitamente sexy. “Eu estava cansada de ouvir as pessoas falarem que eu não sabia fazer moda sexy e, na verdade, me interesso muito por esta obsessão com sexo”, disse a estilista nos bastidores do desfile da Prada, que foi o grande momento da semana de moda italiana que terminou ontem em Milão.

Um irretocável rabo-de-cavalo marcou o look das modelos, com a top dos anos 90 Eva Herzigova abrindo o desfile em jaqueta aviador curtinha com manga de pele, acentuando a idéia de cintura alta da saia-lápis – tudo em preto. Depois começam a aparecer peças de cetim, capas de chuva transparente com debrum colorido (laranja ou preto) usadas de preferência sobre microcamisolas sensuais e sapatos bicolores que iluminam o preto com cores fortes. Sem perder o prazer pelo vintage, a Prada pinça referências na lingerie (rendas, cetim), em Saint-Laurent (blusas transparentes de chifom com laços femininos) e em suas recentes coleções de atitude secretária-lady. E ao colocar sexo na passarela, ela libera o mundo da moda para o orgasmo.

Já a Gucci, que se reafirmou no mercado no fim dos anos 90 graças ao apelo sexy injetado por Tom Ford, aposta num gótico-chic – sensual, sim – em que o preto é a estrela: desde as roupas até o olho esfumaçado e o inseparável crucifixo no pescoço. O salto é vertiginoso sobre a passarela de pele branca. As calças de cetim justérrimas e muito compridas ficam emboladas no tornozelo. As mangas seguem a amplidão do quimono e a cintura é marcada por faixas tipo obi – reminiscência de um quimono antigo que comprou durante viagem ao Japão. Ford declarou à imprensa que esta é a coleção mais elaborada que ele já criou para a Gucci e disse que as mulheres hoje querem comprar peças especiais: “Ninguém está comprando o básico”.

Já a Dolce & Gabbana lança o conceito “glamour rústico” – que aparece também na Fendi e até na Marni, com seus patchworks e sobreposições grungy. Na nova coleção, a dupla de estilistas avisa que pretende fazer roupas práticas e usáveis a partir de agora, visando o conforto e a intimidade doméstica. A idéia fica exemplificada logo no início, com nossa Gisele Bündchen em seus raros momentos de passarela usando um ótimo terninho de veludo cotelê branco com camisa preta.

O decano Giorgio Armani segue a mesma linha de raciocínio da dupla siciliana. Armani, que monopolizou a segunda-feira com festa, inauguração de loja e desfiles da Empório Armani e de sua grife principal, declara um sonoro não a qualquer referência sexy: “Não à nudez exagerada, não à falta de sofisticação de uma lingerie à mostra”, disse em material à imprensa. Ao que a atriz Sophia Loren, que foi prestigiar o desfile, concordou plenamente.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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