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Moda masculina e performance política na Casa de Criadores 46

05.12.2019

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Desfiles masculinos foram destaque na 46ª Casa de Criadores, inverno 2020 – aqui look de Felipe Fanaia

Por Giuliana Mesquita com fotos Marcelo Soubhia/Ag. Fotosite

A Casa de Criadores é um dos eventos de moda mais interessantes do país, principalmente por ser independente e por pouco se apegar a regras tradicionais do mercado. Isso significa que muito do que é mostrado em sua passarela tem conteúdo crítico, subversivo e com forte inclinação à quebra de padrões. Em tempos obscuros como os que o Brasil vive, nesta edição 46 que aconteceu entre 26 e 30/11, marcas e estilistas criaram coleções e desfiles que lembram como a moda pode ser uma ferramenta de protesto e  resistência.

A homenagem de Rober Dognani a Elloanígena Onassis (de branco)

Abrindo a semana, Rober Dognani homenageou Elloanígena Onassis, drag queen e performer ícone da noite paulistana do fim dos anos 1990. O estilista visitou seu apartamento, percorrendo fotos, looks e momentos históricos de uma época bastante particular de efervescência na cena cultural LGBTQI+ paulistana. Dognani transformou a passarela do galpão no bairro Barra Funda, em SP, na porta da boate A Lôca dos velhos tempos (não sua nova versão higienizada), com Zezé Araújo de hostess, set criado por Zé Pedro, palhaços Bozo dançando Vogue ao som de cantos líricos e drags e nomes importantes da noite, como Bianca Dellafancy, Johnny Luxo e Marina Dias.

Todos os looks, incluindo os de látex sob tule, o vestido de ovo frito, o macacão de boquinhas e os pompons gigantes, foram inspirados em visuais já usados por Elloanígena. Em tempos de um governo preconceituoso que tenta impor regras até de cores de menina e de menino, existe uma subversão enorme ao homenagear uma personagem que não se prende a regras binárias de vestimenta e cria algo completamente novo, fora de qualquer padrão esperado até para drag queens.

O manifesto da Estamparia Social

Ainda sobre desfiles que usaram o descontentamento sociopolítico como combustível estão a Estamparia Social e a Vicenta Perrotta. No primeiro, roupas criadas e estampadas por egressos do sistema carcerário, um projeto criado por Robson Sanchez. As camisetas estampadas com a frase “Por Trás de Cada Preso Há uma Vida” passam sua mensagem com uma clareza crua, doída, mostrando que, muitas vezes, o óbvio precisa ser dito.

Mais de cem mulheres trans participaram da criação e do desfile da Vicenta Perrotta

No segundo, uma apresentação com mais de cem modelos, em sua maioria trans e travestis que, além de desfilarem, participaram de toda a coleção e a concepção do desfile. A Vicenta criou um projeto para capacitar e ensinar essas mulheres trans a costurar e criar roupas, e assim tirá-las da marginalização.

Essa edição 46 da Casa de Criadores também chamou a atenção pela força das coleções masculinas. Em sua primeira apresentação no line-up oficial (na última edição, ele roubou os holofotes do Projeto Lab), Bispo dos Anjos segue sua investigação por uma moda masculina que resgata códigos femininos e os ressignifica. “A gente colocou o homem nessa caixa na sociedade contemporânea, mas aqui eu exploro peças que eles sempre vestiram historicamente”, conta o estilista Hudson Bispo.

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Look de Bispo dos Anjos

Babados, transparências, camisolas, volumes exagerados, comprimentos míni, decotes profundos: tudo é usado por eles sem medo de preconceitos e do adjetivo “afeminado” usado como xingamento. Interessante perceber que a Bispo dos Anjos é uma das primeiras marcas a questionar as regras da indumentária feminina e masculina colocando homens vestindo códigos delas. Afinal, colocar mulheres usando roupas largas, detalhes esportivos, moletons amplos e tênis é a forma mais fácil de subverter essas regras, né?

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

A camisaria de Felipe Fanaia – destaque na CdC 46

O mesmo aconteceu com Felipe Fanaia, que depois de um hiato de algumas temporadas volta mostrando a camisaria que é sucesso em sua loja Das Haus. Especializado em streetwear, preferiu olhar para fora das ruas ao criar essa nova coleção e cativar um novo público. Não espere ver, no entanto, peças básicas e heteronormativas: a coleção de camisas do estilista é extravagante, volumosa, com babados e ombros arredondados combinados a saias de tule enormes, slipdresses estampados e vestidos transparentes. O casting também foi destaque: apenas modelos mais velhos, inclusão mais que necessária no mundinho da moda que sempre focou tanto em adolescentes recém saídos da puberdade.

Desfile de Igor Dadona

Ainda sobre moda masculina, destacam-se também os desfiles de Igor Dadona que, como em uma volta às origens em tempos difíceis, revisitou suas modelagens e peças antigas e entregou uma coleção coesa, colorida e cheia de peças desejo, e Mateus Cardoso, com detalhes interessantes e novas modelagens para eles.

Desfile de Mateus Cardoso

Em uma semana de moda que sempre focou tanto em performances e discursos, muitas vezes vemos as roupas serem deixadas de lado. Nessa temporada, parece que o jogo virou. No desfile de Weider Silveiro, o estilista se inspirou em Londres e na África para criar peças de alfaiataria e peças de upcycling propositalmente maiores que as modelos.

A boa coleção de Weider Silverio

Na Koia, outra marca vinda do Projeto LAB, uma coleção com camisas de proporções interessantes, que brinca com peças leves e estruturadas. Já na Rócio Canvas, o minimalismo chique e atemporal do estilista Diego Malicheski. Nos três exemplos, peças bem acabadas, com modelagens interessantes e uma história por trás da roupa que não as ofusca, mas eleva sua importância.

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Desfile da Rocio Canvas

Foto: Marcelo Soubhia/Fotosite

Look da marca Koia

No masculino, quem também se destacou, só que negativamente, foi Rafael Caetano. Conhecido por suas roupas pensadas para um público gay que adora brilhos, peças coloridas, transparência e paetês, ele chamou o youtuber e cantor Fernando Escarião para performar na passarela. O problema foi seu comportamento, inadequado e incômodo, ao assediar os modelos que desfilavam as peças de Caetano enquanto cantava. 
Muito se fala sobre as lutas LGBTQI+ nos desfiles da Casa de Criadores, mas o que aconteceu nessa passarela foi um desserviço, ao colocar um homem gay performando comportamentos héteros perversos e que as mulheres lutam contra. Em um desfile composto apenas de homens malhados, em sua grande maioria brancos, heteronormativos e mais dentro do padrão impossível, esse problema se multiplica, já que exclui muita gente de uma luta que é pra ser unida e inclusiva. 

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