Por Giuliana Mesquita com fotos Marcelo Soubhia/Ag. Fotosite
A Casa de Criadores é um dos eventos de moda mais interessantes do país, principalmente por ser independente e por pouco se apegar a regras tradicionais do mercado. Isso significa que muito do que é mostrado em sua passarela tem conteúdo crítico, subversivo e com forte inclinação à quebra de padrões. Em tempos obscuros como os que o Brasil vive, nesta edição 46 que aconteceu entre 26 e 30/11, marcas e estilistas criaram coleções e desfiles que lembram como a moda pode ser uma ferramenta de protesto e resistência.
Todos os looks, incluindo os de látex sob tule, o vestido de ovo frito, o macacão de boquinhas e os pompons gigantes, foram inspirados em visuais já usados por Elloanígena. Em tempos de um governo preconceituoso que tenta impor regras até de cores de menina e de menino, existe uma subversão enorme ao homenagear uma personagem que não se prende a regras binárias de vestimenta e cria algo completamente novo, fora de qualquer padrão esperado até para drag queens.
Ainda sobre desfiles que usaram o descontentamento sociopolítico como combustível estão a Estamparia Social e a Vicenta Perrotta. No primeiro, roupas criadas e estampadas por egressos do sistema carcerário, um projeto criado por Robson Sanchez. As camisetas estampadas com a frase “Por Trás de Cada Preso Há uma Vida” passam sua mensagem com uma clareza crua, doída, mostrando que, muitas vezes, o óbvio precisa ser dito.
Essa edição 46 da Casa de Criadores também chamou a atenção pela força das coleções masculinas. Em sua primeira apresentação no line-up oficial (na última edição, ele roubou os holofotes do Projeto Lab), Bispo dos Anjos segue sua investigação por uma moda masculina que resgata códigos femininos e os ressignifica. “A gente colocou o homem nessa caixa na sociedade contemporânea, mas aqui eu exploro peças que eles sempre vestiram historicamente”, conta o estilista Hudson Bispo.
Babados, transparências, camisolas, volumes exagerados, comprimentos míni, decotes profundos: tudo é usado por eles sem medo de preconceitos e do adjetivo “afeminado” usado como xingamento. Interessante perceber que a Bispo dos Anjos é uma das primeiras marcas a questionar as regras da indumentária feminina e masculina colocando homens vestindo códigos delas. Afinal, colocar mulheres usando roupas largas, detalhes esportivos, moletons amplos e tênis é a forma mais fácil de subverter essas regras, né?
O mesmo aconteceu com Felipe Fanaia, que depois de um hiato de algumas temporadas volta mostrando a camisaria que é sucesso em sua loja Das Haus. Especializado em streetwear, preferiu olhar para fora das ruas ao criar essa nova coleção e cativar um novo público. Não espere ver, no entanto, peças básicas e heteronormativas: a coleção de camisas do estilista é extravagante, volumosa, com babados e ombros arredondados combinados a saias de tule enormes, slipdresses estampados e vestidos transparentes. O casting também foi destaque: apenas modelos mais velhos, inclusão mais que necessária no mundinho da moda que sempre focou tanto em adolescentes recém saídos da puberdade.
Ainda sobre moda masculina, destacam-se também os desfiles de Igor Dadona que, como em uma volta às origens em tempos difíceis, revisitou suas modelagens e peças antigas e entregou uma coleção coesa, colorida e cheia de peças desejo, e Mateus Cardoso, com detalhes interessantes e novas modelagens para eles.
Na Koia, outra marca vinda do Projeto LAB, uma coleção com camisas de proporções interessantes, que brinca com peças leves e estruturadas. Já na Rócio Canvas, o minimalismo chique e atemporal do estilista Diego Malicheski. Nos três exemplos, peças bem acabadas, com modelagens interessantes e uma história por trás da roupa que não as ofusca, mas eleva sua importância.