A novela chega à passarela da SPFW

31.01.2002

Enquanto “Desejos de Mulher” mostra o mundo da moda às sete da noite, a marca de streetwear Cavalera faz o inverso e leva as novelas para a passarela, homenageando um dos grandes astros da televisão brasileira: Francisco Cuoco, que fez uma participação especial no desfile de anteontem dentro da São Paulo Fashion Week, principal evento de moda do país que termina hoje no prédio da Bienal.

Essencialmente pop, a irreverência sem pretensão da Cavalera (do deputado Turco Louco e do músico Igor Cavalera, do Sepultura) faz com que ela conquiste os fashionistas com seu bom humor. As novelas preferidas da estilista Thaís Losso estavam lá, com logotipo original em estampas divertidas como “A Gata Comeu“, “Plumas e Paetês“, “Pantanal” e o batom Boka Loka (da novela “Ti-ti-ti“) sobre a “colour bar” da televisão. O desfile parecia um break comercial do mundo da moda, ao mesmo tempo que quebrou o padrão vigente até então na SPFW ao personalizar sua primeira fila com poltronas e sofás de brechó – um recurso bastante usado lá fora por criadores como John Galliano.

Os anos 70 pontuam a coleção com peças como batas, túnicas, caftãs e vestidos longos de moletom, que ela propõe para o dia, além da linda mini-pelerine. Cores elétricas como pink e verde se misturam ao branco e preto. O jeans hi-tech vem com cianinhas e as mangas são em forma de sino.

Walter Rodrigues abriu o dia com desfile mais denso, se preparando para estrear em Paris na semana de prêt-à-porter em março. Os samurais e a influência do Japão, tão presente no estilo de Rodrigues, se encontram com o futurismo proposto nos anos 60 por criadores como Andre Courrèges e Pierre Cardin. O cabelo é a melhor síntese desse mix assim como os cinco vestidos do final com sutis dobraduras em organza preta sob o colar-armadura vermelho, mais a bota de cetim que vai até a virilha, todinha amarrada como corselet. Outros destaques: a veste vitoriana com uma manga quimono em jacquard vermelho e preto e os tailleurs de jeans debruado de couro. A camiseta com o rosto de um samurai bordado é obra-prima que consumiu 22 mil cristais e foi desenvolvida na Áustria.

A Patachou também leva seu inverno para o Japão e China, olhando para os monges e as artes marciais, mas imprime nele um espírito folk-latino. O styling cuidadoso valorizou a pesquisa tecnológica e artesanal que tecem as peças da Patachou, mostrando uma mulher mais segura, que não tem medo de se destacar na multidão. Assim, ela cria sobreposições misturando peças em preto, marrom, vinho, pinceladas de branco, açafrão e chumbo. Tecidos hi-tech recebem bordados manuais de fitas de algodão ou de linhas pespontadas como os uniformes marciais. Saias vêm por cima de leggings de tricô amarradas na perna e os acessórios apostam em colares afro e brincos gigantes, dando um ar de Frida Khalo – a artista mexicana que foi casada com Diogo Rivera cujo filme biográfico vai ser lançado este ano no Brasil e tem Salma Hayek no papel principal.

A Forum parece mais contida, assimilando que os tempos não estão para vender a sensualidade que a marca costuma propagar. Sua mulher para o inverno busca uma elegância clean que depura elementos dos anos 70, como as túnicas, calças palazzo e saias franzidas – veja a saia camponesa-psicodélica com estampa floral em rosê, marrom e branco. Cetim, veludo de seda e musseline dão fluidez a tops e vestidos ombro a ombro, de manga comprida, sustentados por fiozinhos. Boa a estampa de oncinha em azul e rosa e as calças justas com boca franzida a partir do joelho.

A Iódice segue a tendência da temporada: anos 70, estampas de árvores e folhas, veludo cotelê, cores outonais (marrom, bege, rose) com preto e vermelho e jeans, é claro. Bom o tailleur 70’s de jeans.

Renato Loureiro deixou a platéia em silêncio absoluto na apresentação de sua coleção vampiresca-vitoriana. A alfaiataria austera, com a cintura no lugar, se combina a tricôs e georgete drapeados, ou capas de Drácula. Tudo em preto, vermelho e um pouco de roxo e branco. A delicada manga teia-de aranha do longo básico preto é um dos raros momentos de leveza do desfile.

Modabytes

@ Makes de destaque até agora: o olho listradinho, igual à colour bar da televisão, no desfile da Cavalera; a serenidade com adesivinhos de saturno e lua na coleção rococó-tech da G; e o olho-asa de sombra marrom da Zoomp.

@ Acertos dessa São Paulo Fashion Week: os atrasos estão bem menores e já mostram um controle da organização em busca de um timing civilizado, mesmo tendo mais desfiles por dia. Boa a idéia dos eucaliptos no chão dos banheiros inóspitos da Bienal – e tem até sabonete desta vez. Problemas: deu tilt o computadorizado sistema de catracas, que dá acesso às salas através do cartão magnético. Na entrada da Forum, a catraca recusava vários cartões como se eles já tivessem sido usados.

@ O modelo Tiago Gass aparece de vez em quando na SPFW, mas só na platéia. Seu contrato de exclusividade com a Christian Dior masculina, desenhada por Hedi Slimane, é mundial e vale para todo o ano. Nada de desfiles nem fotos para outras grifes.

@ Gafe? Thaís Losso, estilista da Cavalera, entrou sozinha ao final de seu divertido desfile para a Cavalera. Perdeu a boa oportunidade de agradecer a presença do astro Francisco Cuoco em sua passarela.

Lilian Pacce para O Estado de S.Paulo

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