Uma questão urgente na passarela de Fernando Cozendey

26.07.2018

Esse desfile de Fernando Cozendey é a segunda parte de uma trilogia que começou com as questões da sua fase adulta, na temporada passada, de questionamentos a respeito do seu desenvolvimento profissional. Mas é essa coleção de agora, a da infância, que devia ter aparecido primeiro e só não rolou porque o estilista ainda não se sentia preparado. É que ela traz realmente uma questão muito delicada: abuso sexual e, mais especificamente, pedofilia.

Apesar de pesado, o tema foi tratado de maneira poética. Primeiro Fernando criou croquis mais literais e ultracoloridos de personagens infantis que ele gostava, como Ursinhos Carinhosos, Margarida, Smilinguido, Mulher-Maravilha, Pica-Pau, Sailor Moon, Batman e outros. Depois, cada um deles foi desconstruído: saiu a cor e a estampa. Entra o tule (só os tapa-sexos são de lycra) e tudo é bege, uma cor “sem cor”. A presença inquietante e constante da transparência num desfile que a princípio tem uma temática infantil dá o tom de sexualidade fora do lugar, descontextualizada, algo estranho ao ambiente. É a perda precoce da pureza. Bruna Pegurier fez os acessórios em cerâmica (mordedor, chupeta, móbile); e Victor Hugo Mattos assina a cenografia.

E Fernando em si, o primeiro a entrar na passarela (primeira foto da galeria), fica ali no meio durante toda a apresentação, segurando uma parte da cenografia em forma de lua. Ele chora. Ao sair de mãos dadas com a irmã, Paula Cozendey, derruba sem querer uma estrela. Um fim simbólico, um exorcismo de trauma, um desfile mais pra fazer pensar do que pra gerar imagens de moda. Incômodo mas necessário. (Jorge Wakabara)

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