Ronaldo Fraga outono-inverno 2015

05.11.2014

Já virou clichê dizer que o que Ronaldo Fraga faz é arte e não moda. E é uma falácia também: as pessoas estão tão acostumadas com um só jeito de fazer moda que qualquer coisa que saia da curva pra elas é estranho, não faz parte, fica à margem. O que “sai da curva” aqui é que Ronaldo gosta de usar a plataforma da moda e, especificamente, do desfile, pra fazer comentários sobre o que vê no mundo – faz roupa não só pra deixar as pessoas bonitas, mas pra embutir outros debates mais profundos no que cada um veste. Fora isso, pra quem não gosta das modelagens amplas do estilista, ele tem se exercitado cada vez mais em marcar a cintura e mostrar as formas do corpo feminino – isso é muito bacana porque gente que gosta do modus operandi do Ronaldo com esse discurso intelectual mas que não curtia essa amplitude toda agora também pode se deixar atingir. E, claro, os amplos continuam pras clientes fiéis.

Mas vamos ao desfile em si: o outono-inverno 2015 reflete a uma questão imediata, sobre o viver (e principalmente o conviver) na cidade. O estilista chama a coleção de “A Cidade Sonâmbula”: o espaço urbano cada vez mais igual, sem identidade de capital pra capital, e pessoas sonâmbulas andando por ele, sem conseguir dormir, meio tontas… A gente valoriza tanto esse discurso da “cidade que não dorme”, mas será que ela não deveria descansar? E será que a cidade vive pra gente ou é a gente que está vivendo pra cidade?

Dos croquis com pessoas vermelhas de quatro olhos (pra simbolizar essa tontura, bêbadas de sono, que não fixam o olhar em lugar algum), sai o impacto visual da maquiagem: modelos vermelhonas com mais dois olhos desenhados na testa. Na roupa tem também esses pontos vermelhos (pitadas de sangue, a bola vermelha do farol dizendo “pare”, a ira represada, o alerta) ao lado do P&B com toques de cinza e brilhos de bordados. Nilo Zack, o artista urbano que grafitou crianças com maquiagem de palhaço em prédios que estavam pra ser demolidos, é representado aqui em estampas. Tricôs de materiais alternativos como papel (o branco) e fita cassete (o preto brilhante) sugerem um mix entre o artesanal e esses elementos urbanos, de escritório, e ao mesmo tempo já obsoletos por causa dos avanços do computador. Outros destaques: o emborrachado descascado, tipo parede descuidada; o cinto-skyline; e um bordado cinza-prata em forma de arame farpado. Estaríamos nós nos tornando parte dessa paisagem (ou dessa “não-paisagem”)? Pra complementar-realçar-embelezar o discurso, teve trilha de Cida Moreira ao piano ao vivo. Um desfile pra pensar, perturbador demais pra alguns… É que tem gente que não gosta de pensar muito. (Jorge Wakabara)

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